Ti Zé ferrador era um homem de hábitos certos e seguros. A cada domingo depois da lua nova chegava na aldeia cedo, antes de aurora, a cavalo em um macho amarelo, tão velho e desbotado pelo sol, que seu aspecto descolorido e pálido contrastava com os arreios, a albarda e as alforjas vistosas, sempre limpos e impecáveis como o dono que vestia uma jaqueta riscada e camisa branca. Uma figura de respeito este Ti Zé.
Por ser domingo enquanto uns iam na missa, outros com maior devoção, compunham afazeres mais necessários do que salvar a alma. Pelo menos no que se refere ao pão que sustenta o corpo, ferrar os machos e as mulas, burras e vacas, era tarefa de primeira necessidade e falava mais alto que a devoção.
Atividade dominical que a cada mês enraivecia o pároco. Os poucos homens que frequentavam a missa, faltavam nesses dias e o abade tinha que dividir os fieis com a função do ferrador. Dizem as más línguas que já ameaçara o Ti Zé com a excomunhão. Não fosse este ateu, e estaria com a porta das chaves de São Pedro cerrada para sempre. Mês a mês e lá estava ele a trabalhar sem medo de ir para o inferno. Com umas no cravo outras na ferradura calçava as bestas com as melhores ferraduras do concelho num dia de trabalho de sol a sol.
Montou a tenda e o tronco de improviso. Jogados em aparente desordem, estavam espalhados pelo chão martelos, marras e cravos, e mais para canto uma fogueira ladeada por um murilho das pedras da parede de alvenaria da cortinha. Bigorna ao lado com uma bacia de agua para temperar o aço. Pares de ferraduras em tamanhos variados reluziam no chão organizados do maior para o menor.
As bestas ficavam inquietas pelo barulho do matraquear do martelo a bater nos cascos e nas ferraduras. Uma apos outra as ferraduras eram forjadas na fogueira e acertadas ao tamanho do casco de cada animal.
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