Revisitando Castelo Branco

13/02/2015

Jarra de vinho

Castelo Branco, Mogadouro: jarra de vinho

Não tenho a medida certa nem o valor da sede. Com quantas jarras se seca o pipo…

Era noite de entrudo, e os cepos ao lume a apagar na cinza, encostados ao murilho de cantaria, com remelas das brasas cansadas, reluziam sem força, amedrontados por estarem a chegar ao fim.

Na tremula e pálida luz da candeia, o Alcides, arregalava os olhos na escuridão, como que para ver melhor os pensamentos.

De tempos em tempos, em cadencia incerta, levava na boca o caneco de barro, e engolia em seco o vinho com apressada sofreguidão a tentar afogar as magoas.

Casaram a Maria, com o Joaquim da fonte! Arre conho…

Foram meses de acordos entre os solteiros, rodadas de vinho na taberna para os rapazes, e alguns favores de trabalhos na segada, na acarreja e na colheita. Mas, tudo perdido, tudo passou em branco, e o botifarras do Joaquim Freixo, conseguiu de ultima hora fazer com que o casassem com ela.

Mas isso não ia ficar assim…

No intimo já imaginara o pai a abrir a porta de casa com ela abraçad a mae á porta da sala, com a mesa posta com as rosquilhas,. Rodadas de licor de ginja e jeropiga e quando ja estivessem atisfeitos e feitas as bodas sairiam com ela para o baile para dançar a noite inteira. Ia deixar os demais rapazes de inveja.

Era a moça mais bela da aldeia e dos arredores. Com um rosto airoso de feições trigueiras que se iluminavam com a candura dos dentes ladeados por duass covinhas uma de cada lado do rosto, ao brindar de sorrisos todos que por ela passavam.

Quantas vezes ficara ali na rua só pra vê-la ir ao sóto e depois a voltar pra casa. Os minutos e as horas passavam devagar na espera. Longa e ansiosa agonia de antecipado deleite mas inebriante momento de plena felicidade que a passagem proporcionava. Maria…

Entrudo traiçoeiro, entrudo dos enganos, ate o casar era mentira. Uma mentira doce que antecipava a imagem do que podia ser um dia, viver no mesmo teto dela. Entrudo…

Ao lembrar do que aconteceu, apertou o caneco na mão que estilhaçou em mil cacarecos barulhentos pelo chão da cozinha.

Lá estava ele.

Ali ao lado da porta. Pronto, feliz, orgulhoso para chegar na soleira…

Ó Sr Felisberto AU, a Sua Maria já se quer casar! Quem lhe havemos de dar pra contentar? Hade ser o…

E deu mais um passo para a porta e ja ia a puxar a aldrava quando incredulo escuta da voz do Arnaldo que fazia os casamentos pelo embude… Hade ser o Joaquim Freixo que é capaz de a governar… É bom rapaz é bom rapaz…

Tremeram-lhe as pernas…Em um primeiro impulso ficou paralisado, por quase um minuto, incrédulo e incapaz de acreditar no que acontecia…

Depois como uma mula picada pela mosca, pulou como um relâmpago e assentou um coice de direita no focinho do Arnaldo.

O punho curtido na pá e nos ganchos entortou o embude e a metade da cara do cafajeste. Traíram-no por um maço de “definitivos”…

Agora entendia o golpe, a lembrar do Joaquim, minutos antes de pararem a porta da rapariga, a por no bolso da camisa, do casamenteiro, um maço de cigarros .

Tratantes! Judas Escariotes, vendidos, arrenego do careto… mafarrico…

Baixou quantas vezes pode os punhos fechados nas fuças dos dois. Assentou mais uns tabefes e jogou o embude pro meio da curtinha. A briga comeu solta com a revolta dos outros rapazes solteiros que de pronto acudiram a injustiça de tamanha traição. Acabaram os casamentos

Apartado depois de muito custo, levaram-no pra casa. E ali estava agora só com a alça do caneco na mão. E pensar que teria toda a coresma sem poder dançar com ela nos bailes dos domingos. Exatos quarenta dias. Que sofrimento.

Mas um rasgo de alegria e iluminou as faces do rapaz. Pois que assim seja, se tiver que esperar até a Pascoa, esta decidido! Vou pedi-la em casamento despois da missa, na porta da Igreja para o pai dela. Deste ano não me escapa.

E desatou a rir como um tolo, feliz de tanta alegria.

Na Pascoa! Que assim seja!

E aleluia… e aleluia,

Este ano o folar terá outro gosto.

Albano Solheira – Memórias de minha aldeia.

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