Revisitando Castelo Branco

26/09/2013

Lavrador de versos



Vivo como um lavrador de versos,
A arar, o papel, com mil palavras.
A cada dia vinco mais dispersos,
Sulcos, das minhas idéias e lavras.

Soltam-se da minha folha mensagens,
Sonhos longos, eternos, profundos
Palavras novas, vontades, miragens,
Rodas vivas, visões de novos mundos.

Com a profundidade de estar perdido
Entre a vontade de conhecer saborear,
Tudo o que tiver maior valor sentido
O amor, viver, ou um simples pensar.

Procuro, o renascer, o constante chegar
Nesta lavoura, da vida, eterno advir.
Busco uma forma de sempre germinar
E com novo jeito ser, viver e sentir.

Albano Solheira

25/09/2013

Minha aldeia

 

Tudo é tão lindo visto daqui
As ruas, casas, telhados, muros
Homens, mulheres, animais.
Aquarela viva, cenário, presépio.
Tudo tem seu lugar e proposito
E parece tão certo, eterno e presente.

Só os que sabem disso,
Tem nos olhos o encanto de ver, que
A vista mais bela é a da minha aldeia,
Pois o mundo não é tão grande                                            Nem maior que a minha aldeia,
Porque não cabe dentro nem passa por ela.

O Mundo tem grandes cidades
E se revive, existe, nelas somente.
Como tantos que buscam em tudo o que lá não está,
Pois que a memória das gentes é vaga.

Minha aldeia esta ali, onde sempre esteve,
Poucos sabem disso,
E sequer me importo com isso.

O mundo ficou pequeno
Toda a gente sabe.
Mas poucos reconhecem onde estão
Vão e de onde veem
E por isso ele pertence a tanta gente…

 
É mais livre e maior o povo da minha aldeia.                          Chegar na minha aldeia é sair do mundo,
Para entrar em outro mundo.
Para além do qual há outros lugares.
Ninguém nunca pensou no que lá há antes.
E depois que importância isso tem?

Minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está nela, está apenas nela.
No mundo ninguém sabe nunca onde esta.
E vive com pressa de ir, de chegar, de partir.

Aqui vive-se um dia depois do outro.
E viver e estar são a mesma coisa.
No fim ou no começo,
Tudo é, e isso basta.

24/09/2013

Purgatório

Toto da igreja matriz de Castelo Branco Mogadouro, imagem da padroeira, pintura a oleo de autor desconhecido

Quando criança acreditava que o purgatório ficava atrás do altar da igreja e que por lá estavam todas as almas que tinham que pagar os pecados antes de seguirem para o céu.  Confesso que fiquei muitas missas a olhar para o altar e a imaginar como por lá estariam e que tormentas teriam que purgar para passar para a etapa seguinte.

Intrigado como podiam caber tantas almas em um lugar tão apertado. Uma matemática e geometria muito intrigante para quem tinha quatro para cinco anos. Metafisica prática e simples. Tudo tinha lugar e motivo, mesmo não entendendo ao certo o que seriam, o céu e o inferno, criava o cenário para os poder entender.

Mas os anos passam e as coisas mudam de lugar.

21/09/2013

Santa Barbara


Acordei com o estrondo dos trovões. A virada do tempo, começou dias atrás e foi anunciada pela meteorologia, mas somente hoje ela chegou com força total.

Os clarões anunciavam desde o inicio da noite a tempestade que chegou de madrugada com chuva, trovões fortes e clarões que iluminam o céu continuamente. A energia elétrica falhou. A cortina do quarto estava aberta e deixava entrar pela janela relâmpagos que iluminavam sem parar as paredes, o chão e o teto, projetando a sombra dos armários para todas as direções.

Levantei para fechar as cortinas. A Julia acordou assustada e a Karina levantou para acalma-lá, graças a Deus voltou a dormir.

Meus dois cachorros estavam desesperados e apavorados gemendo e arranhando a porta do banheiro onde onde estavam recolhidos. Consegui acalma-los com ração e umas velas acesas.

Perdi o sono. Felizmente o ipad esta com bateria cheia mas sem internet faltou o que fazer para esperar o sono.

O som das sirenes dos alarmes das casas de temporada, completa a sonoplastia e preenche o silencio e a escuridão da madrugada. Aos poucos a tempestade começa a acalmar e os relâmpagos ficam mais dispersos.

Esta época é sempre de apreensão em Santa Catarina. As chuvas e as enxurradas deixaram os meses de setembro e outubro marcados pelas tragédias. Foram muitas as perdas ao longo dos anos. Vidas e bens, projetos e sonhos, varridos pelas calamidades que inundaram cidades.

Ainda sem sono comecei a lembrar do medo que tinha quando criança dos trovões. E as memórias foram surgindo, como relâmpagos de outros tempos inundando minha mente de imagens e sensações distantes e para minha surpresa ainda muito fortes.

Voltei no tempo...

A Capela de Sto. Antonio fica perto da minha casa. Uma capela bonita, pequena e aconchegante, com um altar central onde o Santo Lisboeta e casamenteiro, tem seu altar em destaque rodeado de outras imagens de santos e sanas. Normalmente a capela ficava fechada. Naquele dia porem, foi aberta, pelas mulheres que ali acorreram para invocar Sta. Barbara e pedir proteção preocupadas com a forte trovoada que estava a chegar. O dia escureceu e apesar de serem umas duas da tarde, e estarmos o inicio do mês de junho parecia ser o anoitecer.

A maioria das searas ainda estavam nos campos a espera de serem segadas. As famílias trabalhavam de sol para colher o pão. A ameaça de temporal punha em risco as vidas e os trabalhos de muitos dias, canseiras, e esperanças.

Nesta escuridão os relâmpagos faiscavam e riscavam o céu rompendo as nuvens. O vento soprava forte e passeava feroz pelas ruas montado em redemoinhos de poeira. Era o fim do mundo, ou parecia ser pelo menos.

As mulheres tiravam os brincos das orelhas e cobriam as cabeças com os lenços. ficavam a ajeitar os cabelos continuamente para acalmar.

- Ave Maria, Santa Maria...
- Ai meu Deus, gritavam
- Oh valha-nos Santa Barba, São Bernardino...
Esconjuravam a trovoada...
- Vai pra serra do marão onde não ha vinha nem pão.

A imagem da Santa foi colocada na porta da capela em um altar improvisado, virada para a rua.

E começaram o responso da Santa.

Santa barbara,
que sois mais forte que as torres das fortalezas
e a violência dos trovões,
Fazei que os raios
Não nos atinjam...
Os trovões não nos assustem
Nem abalem a coragem e a bravura.
Ficai sempre ao nosso lado,
Para enfrentarmos de fronte erguida
E rosto sereno todas as tempestades
E batalhas da nossa vida...

As nuvens baixas em cima da aldeia, relâmpagos e trovões ecoavam pelo céu e dentro da capela cheia de mulheres e crianças. As orações estremeciam com a violência da tempestade e as vozes vacilavam temerosas da falta de fé. Mas pelo menos daquela vez a tempestade passou e foi para a serra do Marão.

01/09/2013

Nossa Senhora da Vila Velha

Mes de setembro, quase fim do verão. Trabalhos passados da ceifa e colheita. Os corpos cansados do calor tórrido de agosto agradecem os dias mais amenos. As vinhas ainda estão pra terminar de amadurecer os cachos de uvas.  Outono á porta. 

A aldeia começava os preparativos para a festa da padroeira. 

Os mordomos para recolher a oferta para a festa, fazem as ultimas visitas nas casas . Da serra vem os pinhos para as bandeiras na porta dos mordomos e para enfeitar de fitas coloridas e bandeiras o pátio da casa grande.

Ja foi Escolhido o borrego e a posta de vitela para o almoço do dia de festa. Os parentes são esperados com alegria e felicidade. A festa é também o momento de reencontro e regresso  ás origens. Filhos e netos, amigos, parentes, todos reunidos nesta romaria tão albicastrense.

A banda filarmônica chega cedo e faz a primeira volta pelas ruas. Os andores estão coloridos a espera da procissão. Um tom de festa vai dando voz a tudo pelas ruas e casas. Roupas de festa. Crianças arrumadas correm pelas ruas atrás dos músicos. 

Enfim tocam os sinos para a missa e procissão. Vamos a capela... E de hoje em um ano voltamos

Foto: Arlindo Parreira