Revisitando Castelo Branco

21/09/2013

Santa Barbara


Acordei com o estrondo dos trovões. A virada do tempo, começou dias atrás e foi anunciada pela meteorologia, mas somente hoje ela chegou com força total.

Os clarões anunciavam desde o inicio da noite a tempestade que chegou de madrugada com chuva, trovões fortes e clarões que iluminam o céu continuamente. A energia elétrica falhou. A cortina do quarto estava aberta e deixava entrar pela janela relâmpagos que iluminavam sem parar as paredes, o chão e o teto, projetando a sombra dos armários para todas as direções.

Levantei para fechar as cortinas. A Julia acordou assustada e a Karina levantou para acalma-lá, graças a Deus voltou a dormir.

Meus dois cachorros estavam desesperados e apavorados gemendo e arranhando a porta do banheiro onde onde estavam recolhidos. Consegui acalma-los com ração e umas velas acesas.

Perdi o sono. Felizmente o ipad esta com bateria cheia mas sem internet faltou o que fazer para esperar o sono.

O som das sirenes dos alarmes das casas de temporada, completa a sonoplastia e preenche o silencio e a escuridão da madrugada. Aos poucos a tempestade começa a acalmar e os relâmpagos ficam mais dispersos.

Esta época é sempre de apreensão em Santa Catarina. As chuvas e as enxurradas deixaram os meses de setembro e outubro marcados pelas tragédias. Foram muitas as perdas ao longo dos anos. Vidas e bens, projetos e sonhos, varridos pelas calamidades que inundaram cidades.

Ainda sem sono comecei a lembrar do medo que tinha quando criança dos trovões. E as memórias foram surgindo, como relâmpagos de outros tempos inundando minha mente de imagens e sensações distantes e para minha surpresa ainda muito fortes.

Voltei no tempo...

A Capela de Sto. Antonio fica perto da minha casa. Uma capela bonita, pequena e aconchegante, com um altar central onde o Santo Lisboeta e casamenteiro, tem seu altar em destaque rodeado de outras imagens de santos e sanas. Normalmente a capela ficava fechada. Naquele dia porem, foi aberta, pelas mulheres que ali acorreram para invocar Sta. Barbara e pedir proteção preocupadas com a forte trovoada que estava a chegar. O dia escureceu e apesar de serem umas duas da tarde, e estarmos o inicio do mês de junho parecia ser o anoitecer.

A maioria das searas ainda estavam nos campos a espera de serem segadas. As famílias trabalhavam de sol para colher o pão. A ameaça de temporal punha em risco as vidas e os trabalhos de muitos dias, canseiras, e esperanças.

Nesta escuridão os relâmpagos faiscavam e riscavam o céu rompendo as nuvens. O vento soprava forte e passeava feroz pelas ruas montado em redemoinhos de poeira. Era o fim do mundo, ou parecia ser pelo menos.

As mulheres tiravam os brincos das orelhas e cobriam as cabeças com os lenços. ficavam a ajeitar os cabelos continuamente para acalmar.

- Ave Maria, Santa Maria...
- Ai meu Deus, gritavam
- Oh valha-nos Santa Barba, São Bernardino...
Esconjuravam a trovoada...
- Vai pra serra do marão onde não ha vinha nem pão.

A imagem da Santa foi colocada na porta da capela em um altar improvisado, virada para a rua.

E começaram o responso da Santa.

Santa barbara,
que sois mais forte que as torres das fortalezas
e a violência dos trovões,
Fazei que os raios
Não nos atinjam...
Os trovões não nos assustem
Nem abalem a coragem e a bravura.
Ficai sempre ao nosso lado,
Para enfrentarmos de fronte erguida
E rosto sereno todas as tempestades
E batalhas da nossa vida...

As nuvens baixas em cima da aldeia, relâmpagos e trovões ecoavam pelo céu e dentro da capela cheia de mulheres e crianças. As orações estremeciam com a violência da tempestade e as vozes vacilavam temerosas da falta de fé. Mas pelo menos daquela vez a tempestade passou e foi para a serra do Marão.

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