Revisitando Castelo Branco

06/06/2010

A aldeia perde significado

Autor: Luis Pardal
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Há uma Castelo Branco, que perde significado e sentido a cada dia de passa. Éramos uma aldeia essencialmente agrícola. Muitos dos costumes, tradições, artes e ofícios, que são sabedoria dos antigos, feitos de símbolos na sua maioria, perdem aos poucos significado e sentido e apenas são conhecidos ou postos em prática por alguns dos albicastrenses que já estão no outono da vida.
Toda esta cultura, de símbolos e materiais devia fazer parte da memória de nossa aldeia, para que Castelo Branco, não perca a identidade. Torna-se necessário concretizar o quanto antes, um levantamento e registro sob pena de tudo isto ficar perdido para sempre.
Quem ainda conhece estas tradições, as viveu e as põe em pratica,  já está a viver o percurso final de seu ciclo de vida. E com a partida destas pessoas, perderemos um jeito de ser e de fazer as coisas, que foi acumulado ao longo de muitos séculos de experiência e, que sempre foi passada de pais para filhos. Mas esta corrente de informação e tradições infelizmente está a parar.
Aos jovens ainda residentes, a missão de perpetuar estes costumes e sabedoria, e o resgate de um tesouro que tem um prazo de validade muito pequeno.
Ao pensar nisso veio á memória de algumas profissões que se perderam no tempo e uma em especial eu quero falar hoje: Dos moleiros e dos moinhos e a moagem de Castelo Branco.
Peço a ajuda de todos para juntar pedaços de memórias da história. Deixem estes registros nos comentários vamos resgatar alguns elos da nossa história recente.
O assunto do moinho veio á lembrança porque o Arlindo Parreira, nosso estimado Regedor, em um dos seus e-mails, falou-me de uma forte trovoada que ocorreu em nossa aldeia há alguns anos atrás e que acabou de vez com o moinho dos Moleiros e com a sua atividade.
Depois disso, em conversa com o Ricardo Pereira, pelo MSN,  falei do tema e ele lembrou-me de uma história que ouvira do próprio, Ti Chico Moleiro, sobre um episódio verídico que aconteceu no moinho da família nas pombinhas.
O Ti Chico, contou ao Ricardo, que um dia ao voltar da aldeia de uma entrega de para os fregueses, ao entrar no moinho, notou que faltava uma saca de farinha. Ao chegar mais perto ficou surpreso, no vazio do lugar  onde estava a saca, estava agora um pedaço de papel  com esta quadra escrita.
“Neste moinho entrei,
Um saco de pão eu levei,
Contra a fome não ha lei,
No verão, eu pagarei”
Nossa freguesia de Castelo Branco, sempre teve nos cereais, centeio, trigo, e aveia uma das suas produções básicas. E dada a importância do pão na alimentação diária das famílias, uma riqueza essencial na sua sobrevivência.
Factores geográficos, como a passagem de três grandes ribeiras no termo da nossa terra, favoreceram e permitiram a instalação de moinhos de água, que ainda laboravam até aos anos setenta.
Foram estes engenhos, instalados nas margens das ribeiras, um na saída da aldeia no carrascal que depois foi motorizado e que o Sr. Paulo administrou e operou e outro nas pombinhas, mais antigo e artesanal e que pertencia à família do Ti Chico Moleiro. A memória já me falha mas tenho a impressão de ter esquecido de um outro moinho na ribeira que ficava acima das pontes. Por favor me ajudem... Quem lembrar, deixe o registro.
Amigo Luís, sobre o moinho a montante da ponte, aí vai uma foto. Em primeiro plano, a horta do Padre Lopes, do outro lado da ribeira, ou seja na margem direita, a horta do Escalhoeiro. o caminho que se vê em frente vai para o babuedo, a seguir à horta do Padre Lopes à direita é que vai o caminho para a rodela, depois de passar um pequeno ribeiro que vem da rodela é que há o caminho para o carvalhal. Este moinho era dos Neves e era para uso próprio, meus avós foram caseiros dos Neves. ( Alberto Paulo)
Foram estes moinhos que serviram para moer os cereais, cuja farinha, depois de transformada em pão, alimentou muitas gerações de albicastrenses.
A trovoada que deu fim ao moinho das pombinhas aconteceu em a 11 de Setembro de 1959 e  foi também uma grande tragédia na vida da aldeia. Em pouco tempo a enxurrada destruiu hortas, lameiros, plantações e chegou mesmo a arrastar na correnteza do ribeiro da fontainha uma vaca do Ti Raupau e tambem um um burro do Ti Mirandês que estava preso na retorta.  Ainda vivem algumas testemunhas oculares que a viram passar arrastada pelas águas debaixo da ponte do vale. Os mais antigos podem narrar com detalhes os acontecimentos.
Lamentavelmente enquanto os da aldeia se recuperavam do horror da enxurrada, lá para os lados das pombinhas onde ficava o moinho, um mar de água tomava corpo em proporções muito maiores e invadia o moinho e a casa e punha em risco a vida de todos da família.
Quase ninguém lembrou deles. Por sorte ou destino, meu avo, minha mãe e o primeiro marido dela, ao verem a proporção que a ribeira tomava e do perigo, pensaram imediatamente  na horta das pombinhas  e no moinho dos moleiros. E mal pensaram ja saíram em desespero cortando caminho por lugares e atalhos  aflitos de que não fosse possível chegar em tempo e que o pior já tivesse acontecido. Mas foi a salvação. Como dizia minha mãe: - Era um mar de água por todos os lados e apesar do moinho ficar metros acima do leito normal da ribeira a água era tanta que quase não se podia chegar perto com risco de ser levado pela correnteza.
Quem conhece o lugar sabe que o moinho fica depois que ribeira de Castelo Branco recebe a água que vem da Ribeira de Cavalos .A partir dali quando  uma ribeira desagua na outraa  torna-se maior e mais traiçoeira e o caudal de águas dobra. Deve ter sido um desespero para a família inteira mãe e filhos rodeados por agua. Graças a Deus chegaram em tempo de salvar e ajudar a todos e não houve perdas de vidas naquele incidente. Mas o estrago foi irreparável para o moinho e a família veio a mudar-se para a aldeia e ali estabeleceu morada em uma casa do lado da de minha mãe na rua das flores.
Minha memória não me permite voltar muito no tempo e neste artigo vou-me basear das lembranças de meu coração e do que minha mãe me contava e do que vivi na casa dos personagens desta crônica. Éramos vizinhos, nossas casas tinham paredes meeiras e as noites eu tinha o costume de me escapulir para a cozinha do Ti Chico e da Tia Cristina onde junto com os filhos, Abel, Manuel e Zé ouvia o narrar da vida e dos costumes deles. Com o termino das atividades do moinho, mudaram de vida e de profissões. Quando vieram morar na aldeia tornaram-se pastores, lavradores e os filhos trabalhavam também á jeira e na construção civil.
Lembro que o, Ti Chico, era um excelente caçador, e junto à lareira deles comi algumas vezes dos coelhos perdizes e pombos trocais (torqueses como eu dizia). Junto das toras ao lume escutei algumas boas histórias de caçadores e caçadas fantásticas e da lida difícil do moinho. Guardo com carinho as lembranças dessas noites em que meu pai vinha me buscar á força pois não queria voltar para casa.
Ajudem a relembrar mais episódios deste lugar e época.

Um video produzido pelo nosso regedor nos dá a ideia do que aconteceu
De Florianopolis, Brasil, na ilha de Santa Catarina e ilha da magia,  um forte abraço albicastrense!
Luis Pardal

1 comentário:

  1. Anónimo6.6.10

    Belo e pertinente texto Luís!

    Lembro-me de ir para esta ribeira, ainda as águas eram cristalinas e o moínho era "Vivo". Era ali que muitas das nossa mulheres lavavam a roupa em amenas cavaqueiras.....Também me lembro de ser tão pequena que tinha medo de saltar as pedras para passar para o outro lado e até ali eu ía, mais não, não me atrevia a seguir os passos dos rapazes que seguiam á retorta!
    Tudo era mais puro e cristalino. aguas frescas e limpas.

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