Revisitando Castelo Branco

31/05/2010

Espelho frontal

Autor: Albano Solheira
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Crise...
Estou em crise, disse para mim mesmo
E fiquei a olhar o espelho tentando me reconhecer no reflexo.
Quem eu sou não é quem me aparece,
Tenho menos anos, sou mais jovem…

Olhei de novo de vários ângulos,
Fiz caretas e trejeitos.
Parei, ri, até que me cansei.,
Quase acreditei, que o menino
Que pensava que vivia,
Por detrás, de meu rosto, me sorria.

Mas não estava lá, nem mais existia.
Esse que agora me olha, sou eu, apenas eu,
Ali, cara a cara, olho no olho,
Sozinho a encarar quem eu sou,
Neste espelho frontal e profundo.
Um espasmo e susto gelou a garganta.

Deixo sair da expressão, um sorriso trocista,
Com desdém, como quem quer ignorar.
E limpo o espelho para me ver melhor.
Realidade, sou eu sim, eu me conheço.
O menino cresceu, conclui então,
Hoje sou este homem , ali na minha frente.

Menino os anos Passaram, convivemos juntos,
Hoje finalmente, ao me olhar no espelho
Vejo a mim mesmo, com gosto e verdade.

Seguro, digo Satisfeito: o tempo voou,
Eu fui quem eu sou, e é bem melhor assim.

Albano Solheira

DOIS GAROTOS NUM DOMINGO EM CASTELO BRANCO

Autor: Alberto Paulo
garotos no lameiro
O Zé e o Carlos eram dois garotos vizinhos e muito amigos. O Carlos ajudava à missa, e nesse Domingo ia receber sete croas do padre, era quanto ganhava por o ajudar durante os sete dias da semana.
Estavam à porta da igreja muito jarigotos, o Zé, tinha a carrancha direita, mas um peido na testa não deixava que nenhum pente doma-se aquela marrafa. O Carlos, da mesma idade, mas mais medrado, era guapo e de cabelo grifo.
Depois da missa foram até ao canilhão, o Carlos ia comendo um mordo de pão com uma Palaçoula, por sinal bastante derramada, com algumas melas, estava a precisar de ser amolada numa boa aguçadoura.
Nisto chega o fadista, um cão grande e preto a quem o Carlos atira um mordo de pão para este não augar, depois começam ás calhoadas aos pássaros.
Estavam tão atarefados que não viram quem se aproximava e lhes começou a gritar; É!!!È!!! Seus lafraus seus desalmados, não atirem pedras pode andar alguém na ribeira, precisavam era de uma boa lostra cada um. Ouvi o Zé dizer! A mulher é chabasca, inzoneira e estouvada, diz o outro, é pantomineira escalafobética.e alcobiteira.
Sim que estes garotos nesta idade já sabem muito.
Era a Sra. ??? Que ia à horta na sua burrica ruça, bem aparelhada, com albarda, atafais uma lúria, um rabeiro, um arroche e uma seitoura, só lhe faltava a ingrideira; Enfim ela lá sabia o que precisava.
Ainda não se tinha afastado cem metros, quando começa a cair uma escarabanada de granizo, um forte trovão assustou a burrica, esta deu dois pinotes e lá continuou o seu caminho.
Entretanto, os garotos aparecem-me encarrapitados num muro, cada um com duas ou três grabanceiras debaixo do braço, vinham comendo os grabanços ainda verdes, estas estavam condenadas a não dar gradura a quem as semeou.
Foram os dois para casa do Zé, abriram a aldraba da porta, e entraram.
Já na cozinha um deles tropeçou no badil, disse uma asneira, sopraram as mofas do escano, atiçaram os rachos que estavam a arder em cima do murilho
e, de mãos surrentas, sentaram-se a comer um naco de pão com um cibo de bacalhau que estava embarrado dentro duma fardela.
Ainda receei que fossem ao vinho, açúcar e ovos chocos, como já fizeram com outros garotos vizinhos, mas isso é outra história.
Houve-se música na rua, eram os Triteiros a dar volta ao povo, estava a merujar, mas nada os impediu de sair. O Zé deu um pontapé numa perisca acesa e lá foram eles de pão na mão a correr o cão a traz dos Triteiros.
Eram assim os garotos da minha aldeia.
Alberto Paulo

27/05/2010

A festa de S. Bernardino de Sena de 2010


Autor: Aida Freitas Ferreira
sao bernardino

É no dia 20 de Maio de a nossa aldeia celebra o padroeiro mas, por razões várias (por ser dia de semana, por não haver disponibilidade do senhor padre, por isto ou por aquilo) a festa tem-se celebrado no fim-de-semana imediato, o que não foi possível este ano.
Este ano vai celebrar-se no próximo sábado, dia 29 de Maio. Com pena minha não poderei estar presente e o tempo até promete um dia daqueles.

A comissão de festas deste ano é composta por muitos imigrantes que muito se têm esforçado para fazer uma festa rija.

Como é sabido a festa do padroeiro é feita pelos casados.
Dos mordomos nomeados mantiveram-se estes 8 casais. Irei indicar os nomes começando pelos naturais:
Óscar Freitas Ferreira e Margarida Sardinha Ferreira (meu irmão e cunhada);
Filipe Fernandes, o “Angueira” e Elisabete Meleiro (meu primo)
Mário Parreira – o “Parreirinha” e Daniela;
António Cordeiro Caetano e Helena Silva (mais uns primos)
Isabel Neto e Marcos;
Cláudia e António Mouta (do café a Toca);
Fátima Reigada e Alberto – o “Albertinho”;
Jorge Gato e mulher;
Carlos Branco e mulher.
Desejo que a festa corra muito bem, muitas promessas, bonitos andores, e claro boas cerejas, sejam elas do Souto ou não pois, as nossas estão atrasadas e bons arremates.
Preparem-se para uma bela noite com um fantástico fogo de artificio
clip_image002Esperamos pelas fotografias para relembrar
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UM AÇORIANO ALBICASTRENSE IV

 
1ª VISITA – Episódios
foto 1 - Açores - hortência
Depois de passar alguns dias em Évora a fazer umas bricolages em casa da minha sogra, vou de imediato ao portal matar o vício e deparo-me com a maravilhosa discrição feita pelo Luís Pardal sobre a pesca à tainha em Florianópolis - Brasil, acompanhada por lindíssimas fotos.
Logo pensei: como é bem diferente a pesca em Castelo Branco de Mogadouro!...
E lembrei-me de contar um episódio da minha primeira passagem pela Aldeia, um ilhéu acabadinho de chegar de África.
Estávamos em pleno verão de 72, muito calor, Castelo Branco cheio de emigrantes para as festas de Setembro.
Um dia combinamos ir à pesca ao rio. Até aqui tudo bem, tinha alguma experiencia nesta arte e preparava-me para no outro dia levar uma cana emprestada, linha, anzóis, isco etc. enfim, aqueles apetrechos que se utilizam numa pesca normal, a que estava habituado.
Mas não, quando parti com o grupo e para meu espanto não havia sinais de canas de pesca nem nada que se parecesse. Então resolvi perguntar:
- Então não vamos à pesca? Onde estão as canas?
Alguém respondeu e esclareceu.
-Vamos pois, vamos à malha. E vejo um dos pescadores com uma pesada malha às costas…
Ainda pensei que estivessem a brincar comigo, que aquilo fosse alguma partida para quem tinha chegado à terra pela primeira vez, mas não, lá fomos riacho abaixo, parando nos pegos, malhando as rochas mais soltas e perante a minha estupefacção via aparecer alguns peixes já mortos de barriga para o ar.
Nunca mais esqueci esta pescaria e da sua técnica…
Um abraço albicastrense com um pouco do sal destas águas maravilhosas
foto 2 - Açores - nadando com golfinhos foto 3 - Açores - golfinhos

16/05/2010

Pesca da tainha em Florianopolis

Autor: Luis Pardal
Como prometido hoje vou falar de algo deste lado de cá do oceano.
pesca da tainha
Estamos na época da pesca da tainha. Começou ontem dia 15 e vai até ao meio do mês de julho.IMG_4805Para mim é um dos espetáculos mais impressionantes que se podem ver nas praias do sul do Brasil. O cerco e pesca das tainhas. Uma pesca feita em grupo e que normalmente envolve toda a comunidade de pescadores de uma região ou praia.IMG_5140Os pescadores destas praias conhecem de longe o cardume que se aproxima pelo simples olhar da diferença e opacidade que se forma na água, um leve marulhar na superfície que para os leigos como eu passa desapercebido, a olhar sem nada ver.  IMG_4841IMG_5159IMG_5155 IMG_5157IMG_5165De vez em quando, uma ou duas tainhas saltam com o dorso prateado a brilhar ao sol. A direção do salto que é sempre para frente ou para rumos diferentes. A direção e a forma do salto diz aos pescadores se a tainha que saltou está desgarrada ou em manta.
IMG_5222 Quase sempre há um vigia na praia, um velho pescador que conhece muito bem não só os hábitos dos peixes como os “movimentos” do mar correntes e marés da praia onde estão as redes. Nesta época o vigia passa o dia todo no alto de uma pedra, a vigiar o mar. Então quando avistada a manta, toca um apito para chamar os demais pescadores a botarem a rede.  
Correm em equipa a atender ao chamado. As canoas e as redes ficam prontas na areia, sempre á espera de serem roladas ao mar. Ao sinal entram mar a dentro para fazer o cerco e no seu encalço, sai uma segunda canoa com redes para “aparar”. O espia não entra no barco, ele fica sempre na praia e é ele que controla e orienta os movimentos dos que estão no barco. Dele parte sempre a ordem e orientação de lançar as redes tudo com um simples movimento de braços.  IMG_3424IMG_3468IMG_3469IMG_3465O toque do apito tem ciência e precisão. Tem que acontecer de acordo com a distancia e movimento do cardume ou seja tem que se dar quando o peixe está a uma distância suficiente para que haja tempo para fazer o ritual completo da pesca: empurrar a canoa para o mar, embarque da equipa, e arremesso da corda que segura as redes. Tudo tem que acontecer quase que em silencio ou com um mínimo de barulho.
Pescadores sabidos estes de Santa Catarina que encontraram maneiras espertas de vencer um peixe arisco e dado a fugas rápidas mar a dentro para longe do alcance das canoas e redes. Assim nas redes mais antigas destinadas á pesca das tainhas, na tralha de peso para manter a rede junto ao fundo e não deixar fugir o peixe, em vez do chumbo, usam uns pequeninos sacos de lona cheios de areia grossa, que evitam que o chumbo faça o barulho característico ao arrastar nos bordos da canoa ou barco e não espanta o peixe que é muito arisco, tudo tem que ser feito com o máximo de rapidez. Depois de formado o cerco não está garantida a pesca a tainha tenta saltar para fora do obstáculo, tem pescadores que para deixar o cardume desorientado batem com os remos nos bordos da canoa e mesmo dentro d’água.
Mas não é fácil escapar, os pescadores aprenderam ao longo dos anos maneiras de evitar que o peixe fuja depois de estar cercado pelas redes.
Quero falar um pouco das gentes que fazem a pesca da tainha. Tive oportunidade de morar perto desta praia onde um grupo faz todos os anos o cerco e a pesca e onde tirei todas estas fotos.
Os vigias: Os vigias são os que ficam a olhar o mar. Desde manha cedo ao abrir o sol lá estão no seu local de vigia. A posto ficam o dia à espera, a observar o mar para ver se o cardume vem para orientar o lançamento das redes.
IMG_3382IMG_3401IMG_3402Os pescadores: Na praia organizados por funções ficam também os pescadores, os remeiros, o patrão da canoa que faz o cerco. Outras funções são a do chumbereiro, que bota o peso na rede. Uma hierarquia interessante que determina o quinhão que cada um terá na hora de repartir o peixe. Ninguém chia a tainha é dividida por partes já estabelecidas, a parte de “tainha da remagem” para os que remam, a parte da “tainha da vista” para o vigia, a parte da “tainha do cabo” para os que puxam a rede na areia. IMG_3475IMG_3474IMG_3490É emocionante assistir a puxada das redes. Quando as tainhas começam a pular e a rede pesada tende a voltar para o mar os pescadores gritam de felicidade e alegria em um entusiástico coro de vozes.
Todos têm direito, quanto mais peixe for pego maior será o quinhão de cada um deles. Quem ajuda a puxar a rede também ganha tainha, mesmo que seja apenas um turista encantado com a tradição popular.

11/05/2010

UM AÇOREANO ALBICASTRENSE PARTE III

Autor: Luis Fontoura

PRIMEIRA VISITA À ALDEIA

Estávamos em 1972.
África iria ficar definitivamente gravada na memória. Tudo o que vi, senti, vivi, marcara-me profundamente. Habituado à minha ilha, um mundo com o horizonte definido pelo mar que a cerca, fui encontrar outro, cuja grandeza parece não ter limites. A noção de espaço e distância passou a ser outra diante daquela imensidão em que tudo impressiona pela dimensão e grandiosidade. As trovoadas inesquecíveis e as chuvas diluvianas, o cheiro doce da terra molhada, o sol abrasador que tudo seca tornando a atmosfera irrespirável de tanta humidade.
E foi gratificante observar e contactar os naturais daquelas imensas terras e a sua relação com a natureza, os seus costumes, num estado ainda muito puro.
Colocado no norte de Moçambique, perto da guerra, a sorte acompanhou-me pelo que dou graças a Deus.
Durante a minha estadia tive a oportunidade de visitar Lourenço Marques, hoje Maputo, essa maravilhosa cidade pela qual fiquei totalmente apaixonado, rendido à sua grandiosidade, à sua geometria e à mentalidade das suas gentes.
Aqui fui acolhido pelo Luís Carreiro, meu primo, que me levou a conhecer a cidade e arredores. Fiquei tão fascinado que estive tentado a aceitar um convite para lá ficar a trabalhar, depois de cumprido o serviço militar.
Foto 1 - L.Marques 12
Em meados de 1972 regressei à minha ilha, com toda a saudade do Mundo, para abraçar meus pais, irmãos e amigos, voltar ao meu quarto e à minha casa, pisar a minha rua, ouvir os chocalhos do gado nas pastagens, banhar-me nas águas quentes do meu calhau e sentir aqueles cheiros, uns trazidos pela maresia, outros vindos da terra molhada perfumados pelo aroma das flores.
Foto 2 Ponta Delgada
foto 3
foto 4 -Calhau  
Regressar ao ninho onde nascemos e fomos criados é uma inexplicável sensação de felicidade, conforto e bem-estar.
Foi um regresso apaixonado, vivido intensamente, sabia que nova etapa na minha vida estava prestes a começar. Iria enfrentar o mundo do trabalho, tomar decisões que influenciariam a minha vida futura.
O Verão estava a findar. Estudava algumas propostas de emprego mas nada decidia. Assim prolongava um pouco mais aqueles dias de lazer que sabia antecipadamente serem os últimos naquelas condições.
foto 4A
Estava nesta fase, alimentando minhas indecisões e justificando meus adiamentos quando chega à ilha para passar um curto período de férias meu primo Luís Carreiro. Propõe–me regressar com ele, passar uns dias em Castelo Branco, conhecer a restante família e assistir às festas de Setembro. Era um convite demasiado interessante para recusar.
foto 5 - 1ª visita
Assim, pela primeira vez pisei terras de Castelo Branco de Mogadouro e pela primeira vez dormi no Carrascal.
Conheci finalmente minha tia Arminda e tio Celestino Carreiro, tia Marquinhas e tio Sardinha e por último levaram-me aos Estevais onde vivia minha tia Matilde.
Vindos de França para as festas de Setembro lá estavam meus primos e primas.
Foram dias inesquecíveis onde quase tudo era novidade para mim.
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foto 7 
Rapidamente me tornei mais um ALBICASTRENSE
Um abraço albicastrense temperado com um pouco do sal açoriano
Luís Fontoura