Revisitando Castelo Branco

10/10/2008

Terra deste povo, nosso berço, nossa gente.

.
Caminha apressado, debaixo da chuva,
Um sarrão de borrego, pendendo nas costas.
De olhar erguido, com as marcas no rosto,
Vincadas nas rugas, do sol, da vida e trabalhos.

O dia já finda, ele apressa os passos,
O gado nervoso corre no encalço.
Rodeia o olival, chamando as ovelhas,
Evita que entrem, com pedradas certeiras.
Os cães vão ladrando, rodeando o caminho
Levando o rebanho inteiro prá corte.

Chega no curral, a patroa já veio,
Ajuda na ordenha, enquanto conversam.
Falam do dia, das coisas caseiras,
Dos filhos na escola, trabalhos canseiras.

A ordenha vai rápido, em ritmo apressado,
Pela fome e cansaço do dia vencido.
Voltam com as cântaras, com o leite quente,
Em passo ligeiro a caminho de casa.

Encontram na rua parentes, vizinhos,
Dão-lhes boas noites, e seguem andando.
Os filhos, inda brincam, ao pião na praça.
Chamam o mais velho que traga os irmãos,
Reclama o pirralho sem querer parar.
A mãe sem rodeios, o chama que venham,
E já entra em casa, sem deixar retrucar.

Na lareira a panela já ferve á espera,
Com caldo de couves tronchas e batatas.
Sentam-se nos bancos, a roda do fogo,
Esquentam os corpos do frio da rua,
A olhar com fome a panela no lume.

A mãe vai servindo a todos sem pressa,
Malgas fumegantes, nas mãos dos miúdos.
Comida e bênçãos de um lar, feliz,
Perfume de sopa pela casa inteira.

A alma sossega de todos por fim.
Quando satisfeitos, a mãe se aconchega
Senta-se e por fim vai comer também.
Escutam os filhos falarem das rodas,
De pião e do fito, no pátio da escola.
Riem dos trejeitos, do mais novo a contar
As artes e fugas, no recreio a brincar.

A noite já cresce no serão da aldeia,
Rezam as trindades ao bater dos sino.
Os chupões calaram nas brasas cinzentas.
Vão todos á cama, na noite avançada.
Dormem sossegados, o sono dos justos,
Vida que revive, simples realizada.

já cantam, os galos, no raiar da aurora
Recomeçam vidas, ricas de alegria.
Trabalham pela vida, a vida e mais nada,
Vidas de trabalho pra educar os filhos.
Filhos que um dia terão que partir
Irão ser doutores lá da capital.

A aldeia chora, já não há rebanhos.
As portas fechadas, não dão mais boa noite.
O silencio enche, as ruas de nada,
De um vazio amargo, solitário e mudo.

Sentam-se na porta, á espera dos netos,
Que chegam e partem como as andorinhas.
Lembram-se dos filhos, quando ainda crianças
Brincando por perto, grande sinfonia.

Enche-lhes o ser, uma dor sentida
Lembranças, saudades, contidas no peito,
dos tempos que foram, da aldeia viva,
Dos putos na escola, quanta comoção.

Olham um pro outro e falam do frio
Do vento seeiro, culpam a estação.
E o outono chega, na vida e no tempo,
A vida que parte, pra sempre também.
Ai se as andorinhas, não voltarem mais...

Que descanse em paz, nossa gente boa,
Gente de trabalho, povo de verdade,
Nação Trasmontana, raça destemida.
Saibam os mais novos, trazer nova vida,
A esta região tão nobre e valente.
Terra do Tua do Sabor e Douro,
Terra dos pais e antepassados
Raízes fincadas, berço, nossa gente.

Luis Pardal

1 comentário:

  1. Anónimo11.10.08

    Palavras sinceras e sentidas deste nosso amigo. Realmente nossas terras estão desertas e quase sem vida. Mas no coração dos que lá viveram ainda arde acesa a brasa da paixão por tão lindas e ricas lembranças.

    António

    ResponderEliminar