Revisitando Castelo Branco

13/04/2015

Nem só do pão, mas dos fornos…

Autor: Arlindo Parreira
MAIS UMA CRÓNICA DO ULTIMO REGEDOR DE CASTELO BRANCO
carta do regedor
Vamos voltar no tempo para Castelo Branco dos anos 60, hoje que quero lhes falar dos fornos de nossa aldeia. Isto para complementar o que o Luis Pardal falava dos moinhos. Nestes tempos havia em Castelo Branco mais ou menos uns 20 fornos de cozer o pão e umas 50 padeiras. Quase todas as famílias coziam o seu, e visto que as famílias eram numerosas, em média de 5 a 7, filhos imaginem a quantidade necessária para alimentar tanta gente.
Chegou um tempo, em que a lenha era um produto raro e difícil de se encontrar, as terras estavam todas cultivadas, e a lenha que se arranjava da limpa das oliveiras, poda das vinhas, etc; não era suficiente para tantas fornadas de pão. As giestas e estevas sempre foram uma alternativa, boa, barata e eficiente para esquentar os fornos. Mas, diferente de hoje, que as há por todo lado, quando se precisava delas tinha que se ir para a serra ou em lugares distantes da aldeia.
Os empregos eram na lavoura, trabalho puxado, que exige do corpo esforço constante e força física, e para aguentar só com uma boa alimentação. O pão, para nós albicastrenses, sempre foi a base. Portanto havia que dar de comer a toda a gente e sem pão até o melhor cabrito assado com o melhor vinho fica sem gosto. Somos grandes apreciadores de pão.
A maioria das nossas padeiras, coziam também para fora para abastecer as aldeias vizinhas e a Vila de Mogadouro. O pão de nossa terra sempre foi famoso e a fama de nossas padeiras maior ainda. Mulheres da pá virada, fenomenais no sentido da palavra , tinham a mão certeira e sabiam fazer o pão como ninguém, autentico pão dos céus. Porem era uma vida sacrificada.
Quase todos os fornos eram alugados, e tinham custo para lá fazer o pão. Por exemplo, cada vez que se fazia uma fornada pagava-se um pão pelo uso do forno. No forno do Dr. Virgilio, por exemplo, ele substituiu o pão pelo pagamento em farelos visto que ele os utilizava para alimentar os animais. Mas pagando em farelos ou em pão, sempre se tinha que pagar pelo uso do forno. E era uma boa maquia... Cada fornada dava em média uns vinte grandes pães, sabem bem como são enormes os pães de nossa terra, nunca vi de tamanho igual em outros lugares.
Ainda me lembro muito bem, dos dias de forno e fornadas de pão da minha mãe e de um fato interessantíssimo da solidariedade do povo de nossa aldeia. Ainda a fornada estava quente, a sair do forno, e quase metade dela já estava destinada para devolver os pães que tínhamos pegado emprestado de outras padeiras. Antes mesmos de sair do forno, os pães eram entregues para as vizinhas e padeiras que tinham emprestado pão para nós. Em poucas horas se acabava! Por outro lado quando cozia uma das famílias a quem tínhamos emprestado era nossa vez de ir ao forno buscar o pão que fora emprestado. Todos unidos era mais fácil, e pensando bem, nosso povo é sábio, desta forma, todos tinham pão quentinho e fresco, em casa, toda a semana.
Um outro detalhe muito interessante das tradições mais bonita que já vi de nossa aldeia e das rotinas das lidas do forno das, era de que a padeira que usava o forno sempre deixava, na masseira, uma medida de massa com fermento para a padeira que vinha a seguir. Isso é que era pensar nos outros, um ciclo virtuoso de boas ações que a todas beneficiava.
Quem tinha filhos pequenos fazia uma bola para os mais novos. Era um presente esperado com muita alegria e entusiasmo. Eram tempos difíceis e muitas vezes não se tinha outra coisa para dar além de uma boa de pão. Mas, como eram maravilhosas as bolas de nossas padeiras. Meu filho Domingos, por exemplo, sempre ganhava a bola da tia Marquinhas, mulher do Sr. Nascimento, um grande alfaiate de nossa terra. Até hoje ele fala disso com muita saudade e consideração.
Do que não sabiam ainda a respeito das andanças do Regedor é antes da carreira de homem público e representante do poder, ele foi um grande e experiente vendedor de pão. Sim, podem crer, e também lhes vou contar como era o oficio e os truques para se vender muito pão.
Eu e a minha irmã íamos a vender pão, a Vale Verde, quase sempre aos Domingos. Era uma aldeia grande, onde não se tinha boa água para fazer o pão e, como tínhamos lá bastante família isso nos ajudava a firmar a clientela.
Como sabem, nos negócios a aparência conta muito. Tínhamos que preparar tudo nos “trinques”. Assim os nossos machos eram escovados e as albardas enfeitadas com tapetes feitos no tear. Mais tarde ainda lhes falo dos teares ou se alguém quiser adiantar o assunto, pode começar já, também é bom ouvir as histórias dos outros, não vá eu a ficar aqui a falar sozinho.
Machos arrumados e albardados a caracter, era hora de nós nos vestirmos também com a melhor roupa. Parecia que íamos para uma feste de tão pimpões que ficávamos. E os preparativos para agradar a clientela não paravam por aí, como lhes falei eu tinha meus segredos de venda. O pão era transportado dentro de uns sacos de linho branco, alvejados e corados nas lameiras da ribeira, relampejavam ao sol de tão alvos. Por sua vez os sacos iam dentro de alforjes muito bonitas, bordadas e com umas franjas. Era tudo muito limpinho para deixar as clientes felizes e garanto que elas adoravam pois sempre nos davam uma merenda. Vender pão era um divertimento, mas a atividade servia para levar noticias e manter as as pessoas informadas sobre as novidades de cada uma das aldeias. A cada casa que íamos vender lá perguntavam por todos: - olha a meu primo já voltou da tropa? E a vaca da minha sogra ainda está com o leite empedrado? Assim de porta em porta repetíamos os assuntos vezes sem fim. - Leva lá um recado prá minha prima: Ve se não esqueces de mandar os cem mil reis que te emprestei nos gorazes. E outra ficava perguntando: Olha, a minha irmã já teve a criança? Como podem ver ser padeiro era uma atividade jornalística e de caracter social.
Na hora de cobrar, era um novo trabalho, porque como sabem não é só vender, tem que se saber cobrar para o negócio dar certo. Mas nessas horas, confesso que não era tão bom cobrador como vendedor. Sim é verdade, e minha mãe que o dizia, nessas horas era sempre o coração que falava e, o coração nem sempre é o melhor negociador. Sinceramente, tempos melhores de se viver, e o que não se ganhava em dinheiro voltava em dobro em amizade e simpatia. E assim uns pagavam em dinheiro outros com cereal e outros com o que podiam, e se calhar nem pagavam nunca. Pronto ficava fiado, e daí?
Assim como minha família outras também fizeram da atividade de padeiro o sustento e iam a vender pão para outras aldeias, quem souber que fale.
Via de regra quase sempre o pão era transportado no lombo dos animais de carga, machos, mulas, e burros. Os burros eram rápidos e seguros, além de que naquele tempo havia por lá muitos.
Falavam no nosso povo que uma padeira que ia para Meirinhos, foi assaltada perto da Corte Grande por dois fugitivos da justiça. Ao verem que ela passava fizeram-na parar e pediram dois pães para matar a fome, mas que iriam pagar. Não lhe fizeram mal só lhe recomendaram e pediram para não dizer nada a ninguém.
Os fornos também eram e ainda servem para os famosos folares, ou para assar uns cabritos.
Neste meu relato faltou dizer que o trabalho das padeiras no forno era quase sempre feito de noite porque de dia tinham que trabalhar no campo. Ou seja as mulheres de nossa terra, faziam na maioria das vezes uma jornada dupla ou tripla de trabalhos se acrescentarmos a isto a lida com os filhos e maridos. Jornada esta que poucas vezes foi reconhecida e valorizada.
Mas sabemos do valor de nossas mulheres albicastrenses. Assim e deste modo, quero deixar um louvor muito especial para todas elas que sem dúvida são: as MULHERES mais especiais do mundo inteiro.
Tantas coisas para contar, e falta tempo, juntem a estas lembranças as vossas. Vamos dizer aos mais novos o que era a vida da nossa aldeia anos atrás e sobretudo mostrar para eles o berço de onde herdaram o que são hoje.
Um forte abraço do Regedor, até breve.

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