Revisitando Castelo Branco

30/09/2010

O sagrado e o profano!

Autor: Dulce Pombo
trindaade
Sabia que a Páscoa estava para chegar, quando já não se ouvia o tocar das Trindades, o som diário que terminava as brincadeiras de todas as crianças de uma aldeia transmontana.
O som dos sinos era trocado pelas matracas que anunciava aos fiéis, a hora dos actos litúrgicos. O Sr. Padre escolhia um jovem que percorria as ruas da aldeia, fazendo soar esse objecto feito de madeira e arame grosso que emitia um som cavo e ritmado, com pancadas secas fazendo lembrar a semana da Paixão.
Os altares da igreja eram desnudados e as flores retiradas. Crucifixos e imagens eram cobertos com panos roxos.
O forno da aldeia era o meu refúgio na noite de sábado, antes do dia de Páscoa. Era lá que tudo se passava e onde me sentia segura e quentinha. Na infância recolhi todas as sensações, olfactos e paladares desta quadra, sentada num canto que não interrompesse a lida das mulheres que relembravam as receitas do ano anterior. Não levavam livros de receitas nem tinham sites de internet para recordar as doses de açúcar, farinha manteiga ovos e afins…
Naquela noite partiam-se os ovos num alguidar de esmalte de cor azul com pintas brancas. Um batedor de arame misturava o açúcar aos ovos e a pouco a pouco a farinha peneirada que era batida aos restantes ingredientes durante longo tempo. Preparava-se o Pão-de-ló para o dia de Páscoa. A mim, cabia-me “rapar” o alguidar com o dedo indicador, fazendo a delícia das delícias do dia inteiro! Na masseira do pão, também se envolviam ovos na massa, se misturava o azeite morno e a manteiga.
Enquanto a massa levedava, mãos “ curjidosas” cortavam as carnes ( chouriças, salpicões, presunto e nacos de carne gorda), que iriam rechear o famoso Folar de Páscoa. Seria o grande ornamento no dia da visita Pascal.
Acendia-se o forno e a minha avó, virava a lenha que ambas havíamos apanhado no monte em dias anteriores. A lenha estalava e pouco depois era varrido o forno e com uma pá, as mulheres iam ajeitando lá dentro os folares assentes em pratos de barro, o Pão-de-Ló e as Súplicas .
Era então que “tudo” começava a acontecer nas ruas da minha aldeia. Alguém me colocava um banquinho de madeira para que eu pudesse espreitar pelo postigo da porta do forno. Para mim era assustador na altura. Era a procissão da Paixão de Cristo.
Na noite escura ecoavam os cânticos das muitas pessoas que levavam velas acesas. Lembro-me de ver faixas de seda roxa numas bandeiras e alguém que dizia que Cristo era levado já morto até ao sepulcro onde Nossa Senhora sua mãe o iria visitar. Já tarde, adormecia sem ver os folares sair do forno. Á meia-noite em ponto, sempre acordava com o redobrar dos sinos que anunciavam a ressurreição de Cristo Nosso senhor. Tocavam toda a noite e eu não mais dormia porque a casa da minha avó era mesmo perto da igreja.
Lembro-me de segunda feira de Páscoa. Nos levantarmos cedo para ir apanhar flores de Mimosa, amarelas e muito cheirosas que enfeitavam toda a nossa rua e por onde viria o Sr. Padre e a Cruz para benzer a nossa casa. Era uma festa, os vizinhos vinham a nossa casa e nós íamos á deles e de á de todos os nossos amigos e familiares. Os folares eram abertos e o dia era de feliz convívio. O meu avô não se entendia com os padres mas nesse dia sempre pegava na sua viola e tocava algumas músicas do tempo dele!
Claro que como eu era criança, não sabia que o ritual nocturno da Paixão de Cristo apenas simbolizava toda a história da sua morte.
Claro que hoje já sei que a Páscoa se comemora há mais de dois mil anos e que só a partir do século II, por determinação do Papa Victor (em 190) era comemorada ao Domingo. No Concilio de Niceia (em 325), decretou-se que a Páscoa deveria ocorrer no domingo seguinte do dia 14 do mês de Nissan, o mês do primeiro mês no calendário de Nipur, largamente espalhado pelo Oriente antigo, que correspondia aos meados de Março ou de Abril. Ou seja, o primeiro domingo da primeira lua cheia que se segue ao equinócio da primavera que se verifica sempre entre os dias 22 de Março e 25 de Abril.
Hoje também sei que os cinco domingos de quaresma que antecedem o domingo de Ramos estão associados a figuras bíblicas:O primeiro a Santa Ana, casada com S. Joaquim, pais de Nossa Senhora. O segundo a Maria Madalena ou Maria Magdala, que vivia em Magdalane, na Galileia e daí o seu nome. Pecadora que se converteu a Cristo, lavando-lhe os pés e secando-os com os seus próprios cabelos. O terceiro domingo, a Rabeca, filha de Bathuel, e esposa de Isaac, filho de Abraão. O quarto a Susana, uma mulher judia, célebre pela sua beleza e castidade, injustamente acusada de adultério. O quinto a São Lázaro, ressuscitado por Cristo três dias depois de morto e por último, o domingo de Ramos, a festa litúrgica que celebra a entrada de Jesus Cristo na cidade de Jerusalém. É também a abertura da Semana Santa. Nesse dia, são comuns procissões em que os fiéis levam consigo ramos de oliveira ou palmeira, o que originou o nome da celebração. Segundo os Evangelhos, Jesus foi para Jerusalém para celebrar a Páscoa Judaica com os discípulos. Entrou na cidade como um Rei, mas sentado num jumento - o símbolo da humildade - e foi aclamado pela população como o Messias, o Rei de Israel. A multidão o aclamava: "Hosana ao Filho de Davi!" Isto aconteceu alguns dias antes da sua Paixão, Morte e Ressurreição.
Deixo como sugestão um filme, que é o musical que mais vezes vi até hoje: “ Jesus Cristo Superstar”
Publicada por Dulce Pombo no blog “coisas mais coisas” .
Para conhecer outros textos e o blog da autora.clique aqui
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