Autor: Isabel Cristina Pardal
Em meio ao inverno de 2010 com frio inimaginável, ações e pensamentos troteiam por imagens que conectam Albicastrenses próximos ou distantes de sua terra natal. Espero que gostem.
Isabel Cristina Pardal
aldeia de castelo branco mogadouro,
Autor: Isabel Cristina Pardal
Em meio ao inverno de 2010 com frio inimaginável, ações e pensamentos troteiam por imagens que conectam Albicastrenses próximos ou distantes de sua terra natal. Espero que gostem.
Isabel Cristina Pardal
Autor: Albano Solheira
Uma engrideira a pender da albarda, servia de estribo para montar. Era uma figura essa burra... Daquelas com o pelo cheio e espesso que precisava de tosquia como as ovelhas todo o ano no mês de março.
Montaria inseparável, onde o dono ia lá estava ela, companheira certa pra todas as horas. Um animal dócil de olhos meigos, porem teimosa como uma porta. Casmurra fazia o coitado do dono de gato e sapato.
Nos dias em que lhe apetecia, resolvia não trabalhar e não havia quem a fizesse sair do lugar. Nesses dias para a tirar do palheiro era preciso empurrá-la para a rua para a albardar.
Foi comprada dos ciganos na feira de mogadouro quando ainda era nova. Chegou para alegria do dono e auxilio na lida das terras. Espetacular, dava gosto ver como trabalhava pelos caminhos da aldeia, nas hortas a lavrar as batatas com o arado, escondida debaixo dos feixes carregada de ferranha só com a cabeça de fora a abocanhar as espigas, ou então com 5 sacas de trigo ao lombo a caminho da moagem. Não havia par pra ela!
Mas de burra não tinha nada, era sim, um animal muito esperto, que com o tempo começou a decorar os quatro pontos cardeais da aldeia. Anos de trabalho e de canseiras, foram-na fazendo ficar arisca e desconfiada e aos poucos começou a tomar atitudes no mínimo curiosas para um animal. Consoante a época do ano e a direção do caminho que o dono tomava ela saia apressada e prezepeira, ou empacava presa ao chão como se fosse uma estatua.
Por exemplo, quando ia pra devesa sabia que por ali os trabalhos eram poucos, pois só lá ia pra regar a horta, ou então quando subia o caminho da solheira para a ribeira de cavalos sabia que o que lhe tocava era guardar as vacas, ou a cortar o feno, assim toda satisfeita ia sem precisar picá-la, por ali ficava o dia inteiro, no pasto, tranqüila, sem nada para fazer. Mas por outro lado quando virava para vale de cabreiro, indo pelas figueirinhas, a história era outra... Logo ao chegar na praça, ali perto do tanque, ela empacava, bebia sossegada como que para enganar o dono e fazê-lo acreditar em milagres, como se tudo fosse correr bem. Mas logo em seguida, antes mesmo de terminarem os paralelos de cantaria da praça, a esperta empacava e não havia quem a fizesse andar... Fincava as quatro patas e parava. Podiam trazer uma junta de bois valentes para a carregarem que nada a tirava dali. Mas pudera, sabia bem o que a esperava para aqueles lados, era trabalho duro que não acabava mais, puxar a charrua o dia inteiro, lavrar as vinhas...
Mas isto também era só em certas estações, a burra contava o tempo, era só passar a época da lavra e das hortas que a danada levantava o rabo, sacudia as moscas e saia pra onde a quisessem levar.
Na segada gostava de ficar a sombra debaixo dos sobreiros ou carrascos, serena a olhar os donos a trabalhar. Vida boa esta do começo do verão. Trabalho leve. No palheiro pela manhã esperava até a hora perto do almoço, para começar a rotina. Vinham albardá-la para levar a merenda aos segadores. Dois alforges um em cada lado e a filha piquena do dono, montada no meio. A dona ia à frente e guiava a rédea para não correr o risco de derramarem as sopas e deixarem a todos com fome.
Tarefa comprida, ficava presa por uma engrideira amarrada nas arreçanhas perto do restolho, porem longe o suficiente para não chegar perto do molhos de trigo. Por pouco tempo, de tanto forçar as arreçanhas ela dava um jeito de se soltar e á menor distração lá estava ela de boca cheia a comer as espigas gradas dos molhos, um banquete delicioso e farto.
Adorava a época da segada. Mas, à medida que via o trigal sumir diante do restolho e os rilheiros cada vez em maior numero e mais altos, ficava de novo a mesma burra de sempre, arisca e teimosa e antes que desse o tempo da acarreja, a esperta parava de obedecer.
Passaram-se anos e o dono cansou de tanta teimosia. Desistiu comprou uma mais nova para ajudar na lida. Demorou a tomar a decisão, tinhas seus amores pela velha, e no fundo até admirava o caracter do animal, mas teve que aprender um dia de cada vez e com uma novidade depois da outra, que era tarefa perdida. Precisava de substituta para os trabalhos.
Ela por seu lado, enfim descansada, viveu por muitos anos a pastar pelos lameiros e restolhos do chafariz.
Tive que partilhar esta descoberta de hoje, a caminho de uma reunião de trabalho,
no Município de Rodeio, Sc. São quase 11 km de estrada de macadame para chegar na Tirolesa onde seria minha reunião. Um belíssimo passeio que recomendo fazer em dias de sol e sem chuva. A cada curva da estrada um cartão postal nos surpreende. No meio do trajeto encontrei esta marca construída ao longo de muitos anos por um grande homem. Tive que parar para olhar e fotografar e ficar sem palavras e sem folego diante da paz que se sente como se fosse um objeto ou algo físico.
Ao pesquisar no google descobri que este jardim tem um criador, o Sr. Paulo Notari, um hábil e determinado morador que transformou a estrada em um caminho do jardim do Éden. Ele mesmo diz que “em certo momento de sua vida ao olhar tamanha beleza pensou que ali onde morava era o jardim do paraíso”. E no seu olhar simples de apaixonado viu que faltavam apenas as flores para emoldurar este belo quadro. Lembrei do verso de Fernando pessoa: “ Deus quer, o homem sonha, a obra nasce” . E se pensou melhor fez, pôs mão na enxada e iniciou voluntariamente a missão de plantar 9 km de hortênsias, de um lado e outro da estrada que passa diante de sua casa.Mas ao ver tudo florido novamente pensou, ainda falta algo, de novo pôs mãos a obra: criou um molde e reproduziu 64 anjos brancos, os primeiros são de mármore, e os demais de concreto, e não podia deixar de ser, todos os anjos seguram em suas mão um buquê de hortênsias azuis. Foram nascendo um a um e ele os dispôs espalhados ao longo da estrada e dos morros. Ainda faltava algo pensou e para finalizar segunda parte de sua obra, criou um ponto de encontro, no centro do caminho, bem ao lado de sua casa, com um Cristo Redentor de braços abertos, que nos surpreende depois de passarmos pelos anjos. Este pedacinho do céu fica no Alto Ipiranga, próximo a Rodeio, na transição entre as partes baixa e alta do Circuito Vale Europeu.Este pedacinho do céu fica no Alto Ipiranga, próximo a Rodeio, na transição entre as partes baixa e alta do Circuito Vale Europeu. Se forem por lá podem dar sorte de encontrar o Sr. Paulo...
o verão começa a aparecer junto com as cerejas. Quando pintam é o sinal de que a primavera está para sair é o verão a dar sinais. Os trigais ficam pálidos e o verde vivo, vai dando lugar ao dourado, nos tons das espigas a amadurecer e da erva a secar nos montes. Os campos enchem-se, com os sons das cotovias, e dos “chincha-la-raiz” enamorados, ocupados em se acasalar, ou em fazer os ninho. O cuco chegou cheio de vontade, este ano, e anda pelos ares, atendo á vida alheia, para ver se arruma casa e lugar para por os ovos e deixar os filhos para criar com as mães enganadas.
uma sinfonia de sons e de aromas , cigarras, cucos, gaios, rolas, melros, pardais, bandos de pintassilgos. Voam e cantam felizes por cima de quem passa e deixam os campos repletos de uma trilha sonora encantadora e perfeita: uma "sinfonia de pássaros". As perdizes e os perdigotos espalham-se pelos caminhos, e confundem quem passa como se fossem pedras a correr em fila.
depois da festa, começam a ficar pesadas e as horas intermináveis. Mas apesar disso e para compensar, os dias já são mais longos, e sobra mais tempo para os jogos na praça. Ao fim do dia ouve-se os gritos dos rapazes a correr á volta das casas a brincar ao tiro-liro ou a voltar de jogar á bola nos lameiros do chafariz, ou das eiras.
eu guardava vacas. Sim vacas. Eram três, a Mimosa, a Castanheira e a Picolina. Outro dia falo da origem dos nomes, isto porque é muito interessante saber desta origem, tem seus motivos, e podem crer vale bem a pena escrever uma crónica para lhes contar.
Ti Zé ferrador era um homem de hábitos certos e seguros. A cada domingo depois da lua nova chegava na aldeia cedo, antes de aurora, a cavalo em um macho amarelo, tão velho e desbotado pelo sol, que seu aspecto descolorido e pálido contrastava com os arreios, a albarda e as alforjas vistosas, sempre limpos e impecáveis como o dono que vestia uma jaqueta riscada e camisa branca. Uma figura de respeito este Ti Zé.
Não tenho a medida certa nem o valor da sede. Com quantas jarras se seca o pipo…
Era noite de entrudo, e os cepos ao lume a apagar na cinza, encostados ao murilho de cantaria, com remelas das brasas cansadas, reluziam sem força, amedrontados por estarem a chegar ao fim.
Na tremula e pálida luz da candeia, o Alcides, arregalava os olhos na escuridão, como que para ver melhor os pensamentos.
De tempos em tempos, em cadencia incerta, levava na boca o caneco de barro, e engolia em seco o vinho com apressada sofreguidão a tentar afogar as magoas.
Casaram a Maria, com o Joaquim da fonte! Arre conho…
Ha muito tempo por ordem Del Rei, Dom Dinis, três frades da ordem Beneditina, chegaram a estes lados para pastorear o rebanho, das almas dos cristãos, que ocupavam as terras reconquistada dos sarracenos.
Já pra lá vão alguns anos que por aqui não venho...
Andei ocupado e com afazeres que me tomavam o tempo que tinha disponível. Nasceu minha piquena e foi necessário olhar pra cá em vez de lá. Senti que também era hora, de parar um pouco, para descansar e, repensar o propósito deste blog.
Volto com a convicção de que esta lavoura é singular e pessoal. Por estas linhas farei meus sulcos na terra das minhas lembranças para avivar meu respeito e saudases por minha terra e suas gentes.
Forte abraço.
Feliz 2015!
Luz do dia a nascer. A geada ainda branca nas cortinhas, brilha com os raios de sol ralampejando no ar fagulhas de aurora.
Perfume de insenso no ar das giestas acesas no lume das lareiras .
Nasce o dia..
Participação especial: Ricardo Pereira
'Quando a besta é reles quem lhe vale são os arreios`
'Raposa vestida de chita raposa é, raposa fica´
DITADOS SOBRE VINHO E VINHA:
'À mulher e à vinha o homem dá alegria.'
'Antes de casar, arranja casa para mo¬rar, terras para lavrar e vinhas para podar.'
'Ao pé da silveira padece a videira.'
'A quem tem mulher formosa, castelo na fronteira e vinha na carreira, nunca lhe fal¬ta canseira.'
'A seu tempo vêm as uvas e as maçãs maduras.'
'Com o tempo maduram as uvas.'
'De boa cepa a vinha e de boa mãe a fïlha.'
'Muita parra, pouca uva.'
'Mais guarda a vinha o medo que o vinhateiro.'
'Dia de S. Tiago [25 de Julho] vai à vinha e acharás bago.'
'Em Fevereiro chuva, em Agosto uva.'
'Em dia de S. Lourenço [10 de Agosto] vai à vinha e enche o lenço.'
'Nem mulher casada, nem vinha vindimada.'
'Uvas, pão e queijo sabem a beijo!'
'Quando a raposa se zanga com a vinha, muitas uvas se poupam.'
'Poda tardio, semeia temporão, terás vinho e pão.'
'Podar em Março, é ser madraço! '
'Oliveira do meu avô, figueira a de meu pai, vinha a que eu puser.'
'No S. Tiago [25 de Julho] pinta o bago.'
'No S. Mateus [21 de Setembro] vindimam os sisudos e semeiam os sandeus.'
'Nem por casa nem por vinha cases com mulher mesquinha (parida)'
'Com pão e vinho anda-se caminho.'
'Agosto madura, Setembro vindima.'
'Ainda que entres na vinha e voltes o gibão, se não trabalhares, não te darão pão.'
'Chuva no S. João talha o vinho e não dá pão.'
'Chuva de S. João tira o vinho e o azeite e não dá pão.'
'Carne que baste, vinho que farte e pão que sobre.'
'Cada cuba cheira ao vinho que tem.'
'Bom vinho, má cabeça!'
'Bebe vinho, mas não bebas o siso!'
'Azeite, vinho e amigo, o mais antigo.'
'Ao que vai à adega, por vez se lhe conta, beba ou não beba!'
'Ao menino e ao borracho, põe-lhes Deus a mão por baixo!'
'Ao bom comer ou ao mau comer, três ve¬zes beber!'
'Amor de rameira e vinho de frasco, pela manhã é bom, e à noite gasto.'
'A mulher, o estudo, a experiência e o vinho mudam a natureza do homem.'
'A mulher e o vinho tiram o homem de seu juízo!'
'Afoga-se mais gente em vinho do que em água.'
'Mais vale pão e água com amor que vi¬nho bom e galinha com dor.'
'Maio frio, Junho quente, bom pão, vinho valente.'
'Homem atrevido, odre de bom vinho e vaso de vidro duram pouco.'
'Em Agosto sardinha e mosto.'
'Foge [livra-te] do mau vizinho e do excesso de vinho.'
'Do vinho e da mulher, livre-se o homem se puder.'
'Conselho de vinho é falso caminho.'
'De bom vinho bom vinagre.'
'Dia de S. Martinho, lume, castanhas e vinho.'
'Pão que veja, vinho que salte, queijo que chore.'
'Pão, carne e vinho andam caminho que não moço garrido.'
'Ovo de uma hora, pão de um dia, vinho de um ano, mulher de vinte, amigo de trinta e deitarás boa conta.'
'O tonel nunca perde o cheiro a vinho. Ouro velho, vinho velho, amigo velho; casa nova, navio novo, vestido novo.'
'O pródigo e o bebedor de vinho nunca têm casa nem moinho.'
'Mel novo, vinho velho.'
'O tonel não pode dar senão do vinho que tem.'
'0 pão pela cor, o vinho pelo sabor.'
'Onde todos pagam não é o vinho caro.'
'Onde entre o beber sai o saber.'
'Neste mundo mesquinho quando há para pão não há para vinho.'
'No dia de S. Martinho mata o porco e prova o teu vinho.'
'No S. Martinho fura o teu pipinho.'
'Pão com olhos, queijo sem olhos e vinho que salte aos olhos.'
'Ninguém se embebeda com o vinho da sua adega.'
'Numa porta se põe o ramo e noutra se vende o vinho.'
'Nada escapa aos homens senão o vinho que as mulheres bebem.'
'Por cima de pêras vinho bebas e tanto que nadem as pêras.'
'Valentes e vinho bom duram pouco.'
' Vinho de Março nem vai ao cabaço.'
'Sobre figos água; sobre pêras vinho.'
'Se queres o velho menino, em cima de doce dá-lhe vinho.'
'Se queres ser bem disposto, bebe vinho, nanja mosto.'
'Se bêbado te vires sentir, foge à companhia e vai dormir.'
'Sábados a chover e bêbados a beber, nunca ninguém os pode vencer.'
'Quem vive na taberna, morre no hospital.'
'Quem tem bom vinho tem bom amigo.'
'Quem se lava com vinho torna-se menino.'
'Porco fresco e vinho novo, cristão morto.'
'Quem compra pão na praça e vinho na taberna, filhos alheios governa.'
'Quando o vinho desce, as palavras sobem.'
'Por S. Simão e S. Judas [28 de Outubro] colhidas são as uvas.'
'Por S. Lucas [12 de Outubro] mata teus porcos e tapa tuas cubas.'
'Por cima de melão, vinho de tostão.'
'Por S. Lucas sabem as uvas.'
'Vinho do meio, mel do fundo, azeite de riba.'
'Vinho turvo, madeira verde e pão quente são três inimigos da gente.'
'Vinho sobre melancia faz pneumonia. '
'Vinho que nasce em Maio é para o Gaio; o que nasce em Abril vai ao funil; o que nasce em Março fica no regaço.'
'Vinho, mulheres e tabaco põem o homem fraco.'
'Vinho e medo descobrem segredo. '
Vi um lavrador lavrar a alma com palavras fortes como o aço, lamentando a vida, as estações, a sorte. Vi que lhe rompiam o peito e rasgavam as fibras do coração, as ideias de vencer a sina de quebrar o fado, a realidade de comer o pão com o suor do rosto e a gana de matar a fome que lhe toma os dias.
Pensamentos que iam e voltavam como sulcos de uma lavra continua do chão do ser onde teimava em semear os sonhos de dias melhores de terras férteis fartura e prosperidade.
Ao rasgar a terra, rasgava a alma, virava a vida, eterna lavoura.
Ao fundo a capela da Vila Velha, na frente os choupos e freixos da ribeira, no meio os pensamentos e as visões de outros tempos doutras emoções. E o outono a moldar os sentimentos desta paisagem, tão querida tão distante.
Melancolia de tantas saudades de tantos rostos, momentos vividos, pessoas.
Tudo neste contexto, é vida. A minha a de meus pais, irmãos e de todos que ali nascemos, que neste cenário tomou forma e dele partiu para o mundo e para outras dimensões.
Quem vem a vila velha leva no peito a presença de tudo isto.
E por isso é bela. Por isto é impar e sem igual. Como a padroeira, que a todos recheia a vida com a fé. A intimidade deste lugar exige os olhos abertos para o divino, para o não material.
Sempre me questionei porque a capela fica de costas para o caminho que sai da aldeia e termina nela? Para onde aponta a porta? Que sentido tem esta escolha da orientação oposta ao caminho?
Ao fundo a capela da Vila Velha, na frente os choupos e freixos da ribeira, no meio os pensamentos e as visões de outros tempos doutras emoções. E o outono a moldar os sentimentos desta paisagem, tão querida tão distante.
Melancolia de tantas saudades de tantos rostos, momentos vividos, pessoas.
Tudo neste contexto, é vida. A minha a de meus pais, irmãos e de todos que ali nascemos, que neste cenário tomou forma e dele partiu para o mundo e para outras dimensões.
Quem vem a vila velha leva no peito a presença de tudo isto.
E por isso é bela. Por isto é impar e sem igual. Como a padroeira, que a todos recheia a vida com a fé. A intimidade deste lugar exige os olhos abertos para o divino, para o não material.
Sempre me questionei porque a capela fica de costas para o caminho que sai da aldeia e termina nela? Para onde aponta a porta? Que sentido tem esta escolha da orientação oposta ao caminho? Há sentido nesta posição?
Tudo é tão lindo visto daqui
As ruas, casas, telhados, muros
Homens, mulheres, animais.
Aquarela viva, cenário, presépio.
Tudo tem seu lugar e proposito
E parece tão certo, eterno e presente.
Só os que sabem disso,
Tem nos olhos o encanto de ver, que
A vista mais bela é a da minha aldeia,
Pois o mundo não é tão grande Nem maior que a minha aldeia,
Porque não cabe dentro nem passa por ela.
O Mundo tem grandes cidades
E se revive, existe, nelas somente.
Como tantos que buscam em tudo o que lá não está,
Pois que a memória das gentes é vaga.
Minha aldeia esta ali, onde sempre esteve,
Poucos sabem disso,
E sequer me importo com isso.
O mundo ficou pequeno
Toda a gente sabe.
Mas poucos reconhecem onde estão
Vão e de onde veem
E por isso ele pertence a tanta gente…
É mais livre e maior o povo da minha aldeia. Chegar na minha aldeia é sair do mundo,
Para entrar em outro mundo.
Para além do qual há outros lugares.
Ninguém nunca pensou no que lá há antes.
E depois que importância isso tem?
Minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está nela, está apenas nela.
No mundo ninguém sabe nunca onde esta.
E vive com pressa de ir, de chegar, de partir.
Aqui vive-se um dia depois do outro.
E viver e estar são a mesma coisa.
No fim ou no começo,
Tudo é, e isso basta.
Quando criança acreditava que o purgatório ficava atrás do altar da igreja e que por lá estavam todas as almas que tinham que pagar os pecados antes de seguirem para o céu. Confesso que fiquei muitas missas a olhar para o altar e a imaginar como por lá estariam e que tormentas teriam que purgar para passar para a etapa seguinte.
Intrigado como podiam caber tantas almas em um lugar tão apertado. Uma matemática e geometria muito intrigante para quem tinha quatro para cinco anos. Metafisica prática e simples. Tudo tinha lugar e motivo, mesmo não entendendo ao certo o que seriam, o céu e o inferno, criava o cenário para os poder entender.
Mas os anos passam e as coisas mudam de lugar.
Acordei com o estrondo dos trovões. A virada do tempo, começou dias atrás e foi anunciada pela meteorologia, mas somente hoje ela chegou com força total.
Os clarões anunciavam desde o inicio da noite a tempestade que chegou de madrugada com chuva, trovões fortes e clarões que iluminam o céu continuamente. A energia elétrica falhou. A cortina do quarto estava aberta e deixava entrar pela janela relâmpagos que iluminavam sem parar as paredes, o chão e o teto, projetando a sombra dos armários para todas as direções.
Levantei para fechar as cortinas. A Julia acordou assustada e a Karina levantou para acalma-lá, graças a Deus voltou a dormir.
Meus dois cachorros estavam desesperados e apavorados gemendo e arranhando a porta do banheiro onde onde estavam recolhidos. Consegui acalma-los com ração e umas velas acesas.
Perdi o sono. Felizmente o ipad esta com bateria cheia mas sem internet faltou o que fazer para esperar o sono.
O som das sirenes dos alarmes das casas de temporada, completa a sonoplastia e preenche o silencio e a escuridão da madrugada. Aos poucos a tempestade começa a acalmar e os relâmpagos ficam mais dispersos.
Esta época é sempre de apreensão em Santa Catarina. As chuvas e as enxurradas deixaram os meses de setembro e outubro marcados pelas tragédias. Foram muitas as perdas ao longo dos anos. Vidas e bens, projetos e sonhos, varridos pelas calamidades que inundaram cidades.
Ainda sem sono comecei a lembrar do medo que tinha quando criança dos trovões. E as memórias foram surgindo, como relâmpagos de outros tempos inundando minha mente de imagens e sensações distantes e para minha surpresa ainda muito fortes.
Voltei no tempo...
A Capela de Sto. Antonio fica perto da minha casa. Uma capela bonita, pequena e aconchegante, com um altar central onde o Santo Lisboeta e casamenteiro, tem seu altar em destaque rodeado de outras imagens de santos e sanas. Normalmente a capela ficava fechada. Naquele dia porem, foi aberta, pelas mulheres que ali acorreram para invocar Sta. Barbara e pedir proteção preocupadas com a forte trovoada que estava a chegar. O dia escureceu e apesar de serem umas duas da tarde, e estarmos o inicio do mês de junho parecia ser o anoitecer.
A maioria das searas ainda estavam nos campos a espera de serem segadas. As famílias trabalhavam de sol para colher o pão. A ameaça de temporal punha em risco as vidas e os trabalhos de muitos dias, canseiras, e esperanças.
Nesta escuridão os relâmpagos faiscavam e riscavam o céu rompendo as nuvens. O vento soprava forte e passeava feroz pelas ruas montado em redemoinhos de poeira. Era o fim do mundo, ou parecia ser pelo menos.
As mulheres tiravam os brincos das orelhas e cobriam as cabeças com os lenços. ficavam a ajeitar os cabelos continuamente para acalmar.
- Ave Maria, Santa Maria...
- Ai meu Deus, gritavam
- Oh valha-nos Santa Barba, São Bernardino...
Esconjuravam a trovoada...
- Vai pra serra do marão onde não ha vinha nem pão.
A imagem da Santa foi colocada na porta da capela em um altar improvisado, virada para a rua.
E começaram o responso da Santa.
Santa barbara,
que sois mais forte que as torres das fortalezas
e a violência dos trovões,
Fazei que os raios
Não nos atinjam...
Os trovões não nos assustem
Nem abalem a coragem e a bravura.
Ficai sempre ao nosso lado,
Para enfrentarmos de fronte erguida
E rosto sereno todas as tempestades
E batalhas da nossa vida...
As nuvens baixas em cima da aldeia, relâmpagos e trovões ecoavam pelo céu e dentro da capela cheia de mulheres e crianças. As orações estremeciam com a violência da tempestade e as vozes vacilavam temerosas da falta de fé. Mas pelo menos daquela vez a tempestade passou e foi para a serra do Marão.