Revisitando Castelo Branco

04/09/2008

Minha terra

Acabei de chegar. Meus ouvidos estão surdos, e doloridos pelo ronco dos motores da viagem longa, de avião de Florianópolis SC- Brasil a Lisboa e de carro de Lisboa a Castelo Branco.

Parei o carro na porta da casa que era da minha mãe e sai para esticar as pernas. Espreguicei, alonguei os braços e pernas, estiquei o pescoço e deixei o corpo sentir o peso da gravidade sobre a coluna e as pernas novamente. Uma sensação de torpor foi desaparecendo aos poucos, e no lugar dela apareceu a dor e o cansaço de quase 24 horas de viajem.

Na cabeça um zumbido de uma cigarra e uma dor estridentes explodem juntos atordoando meus pensamentos. Imediatamente começa uma briga, nos meus ouvidos, com a falta de barulho. A ventoinha do motor parou e em simultâneo dei conta que a zoeira e o barulho interior se calaram também para escutar o silencio da aldeia. Não se ouve nada, ou antes, quase nada. Assustei-me com minha respiração ofegante, e meu coração disparado.

Quis vir direto e na estrada corri o quanto pude. Estava ansioso para chegar, e chegar rápido, me parecia ser a coisa mais sensata para fazer. Agora que cheguei, sinto que a pressa não era tanta e que na verdade nem tinha um motivo para correr.



Olho o relógio e vejo que passa das quatro da tarde. Está calor, muito calor, como sempre faz no mês de agosto. Um vento forte soprou da rua. Sinto o bafo quente do verão, envolver-me o corpo ainda frio, do ar condicionado do carro. Um gosto de terra enche-me a boca e os olhos com a poeira que o vento levantou. A rua estava vazia, não vi ninguém. Pensei, é um deserto, e gelei de novo com esta sensação de vazio.

Fechei a porta do carro que ainda estava aberta e ao vê-la fechar pensei, ainda dá para dar meia volta e sair correndo. Fiz calar estes pensamentos com o barulho do clic do sistema de alarme ao fechar as portas.

Deixei o carro parado na porta da casa e desci a rua indo para a praça. Vou para o café tomar uma sagres e afogar o gosto da viajem para acalmar as idéias. Cambaleei algumas vezes nos paralelos da rua pelas pernas adormecidas, mas deixei-me ir do jeito que elas quiseram sem forçar muito. Também não vi ninguém enquanto passava pelas ruas.

Entrei no café, tinha poucas pessoas naquela hora e estranhei de só encontrar rostos estranhos. Pensava já encontrar alguns dos conhecidos de outros tempos...

Todos olharam pra mim...

Cumprimentei tentando esconder o sotaque brasileiro de imigrante. Que ilusão. Pela cara deles vi que não tinha convencido. Pedi uma sagres e ofereci uma rodada para todos. Alguns aceitaram. O dono do café sorriu e sem perguntar nada, foi servindo nas mesas o que cada um estava a beber. Costume de imigrante, pensei, pagar uma rodada quando chega na terra. Se é que ainda se faz isso por aqui eu sorri ao pensar comigo mesmo.

O café era novo e o dono, apesar de não ser muito jovem, não me era familiar. Possivelmente era ainda criança quando fui para o Brasil e agora não o reconhecia. Comecei a conversa perguntando de quem era filho e fiquei surpreso por também não me reconhecer apesar de dizer que já tinha ouvido os velhos falarem de mim algumas vezes no café. Fiquei confuso, mas curioso com tudo aquilo pensava convencido que ainda lembravam de mim. O tempo não passou em mim e tudo era como fora um dia . Tinha a ilusão de encontrar os mesmos rostos dos meus vinte anos, iguais, sem marcas da idade e da vida.

Falamos da terra e das coisas de lá. Reclamaram da vida e das dificuldades. Do governo que não fazia nada, dos políticos que são uns cabrões, enfim novidades que são iguais por todo o mundo, afinal. Conhecia o disco de onde vinha também.

A conversa desenrolou, sem querer ao perguntar dos conhecidos,foram surgindo as novidades e senti que estavam a narrar para mim o obituário da aldeia dos últimos 10 anos. Narrou dos que morreram e para me ajudar a saber quem eram foi falando rua por rua. Na minha cabeça percorri os lugares, as casas, as portas, as caras e os rostos dos que moravam, os momentos os fatos vividos juntos. Arrepios seguidos me faziam ver que o tempo que não parou e que ele fez fechar uma a uma a maioria das casas da aldeia. E esse tempo impiedoso os levou a todos... Minha mãe e meu pai também. Esvaziou a aldeia e minhas lembranças também. Fui ficando nauseado e triste.

A sagres desceu amarga. Vi que todos no café tinham vindo para perto e estavam á minha volta reforçando os fatos, ajudando nas memórias. A roda foi aumentando aos poucos. Algumas rodadas de sagres depois, perguntaram de mim e há quanto tempo não vinha lá. Há quase dez que não venho disse, com voz desiludida e triste. Comentei da ausência dos que partiram e lamentei ter estado tanto tempo longe, mas que era a vida.

Rimos quando perguntaram das brasileiras, das novelas, do futebol, do carnaval. Contei que lá no Brasil as anedotas dos alentejanos são contadas como sendo dos portugueses. Gritaram, filhos da p.... esses Bazucas e fizeram juras de vingança. Se não fosse o Filipão para salvar a terra desses cabrões, mas fazer o que nessa terra que só faz trazer as novelas...

Senti que estava a ficar alto da cerveja e pedi a conta. Paguei e sai para a praça.
Tinha escurecido.

Voltei em passos lentos para o carro. Subi a rua devagar quase parando. Os meus pensamentos estavam confusos pelas sagres que tomei mas sobretudo pela sensação de perda e de ausência dos sentimentos que vieram junto com as novidades.

Entrei no carro e fui para o tanque das eiras.

Parei o carro e sai. Sentei na parede do tanque e fiquei a olhar as estrelas.
Senti-me mais tranqüilo ao olhar o céu. Eram as mesmas estrelas que eu conhecia desde que nasci. Pelo menos elas ainda estavam todas lá, e fiquei a rir com a ilusão de piscarem para mim. Senti-me em casa, deste lado do mundo elas realmente eram familiares.
Fiquei o resto da noite deitado na erva seca das eiras a olhar o céu estrelado e ouvindo o barulho dos carros que passavam de tempos em tempos na estrada.
Agradeci a Deus, por ter nascido ali e ser quem sou. Pensei em todos os que conheci, que lá viveram e no respeito e admiração que sinto por todos. Afinal nada mudou, em meus pensamentos eles estariam sempre vivos e presentes comigo e Castelo Branco será sempre meu lugar. Meu Deus, como eu amo a minha terra!

11 comentários:

  1. Anónimo25.3.08

    cara gostei do teu relato, eu tambem fui ao brasile e voltei e sei o que é isso. parabens

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  2. Anónimo25.3.08

    Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

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  3. Anónimo7.4.08

    castelo-branco é um Paraíso vivo,começando pelo aroma k nos chega as narinas até ao k os nossos olhos conseguem alcaçar,só quem por la passou o pode confirmar quando vem a saudade...AI SAUDADE...

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  4. Anónimo9.4.08

    Sem dúvida uma terra de lembraças, de sonhos...como é bom recordar...a terra onde nascemos e onde passamos coisas inesqueciveis.
    que saudades!!!!
    da teresa

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  5. Anónimo9.4.08

    Adorei esta página com relatos que contam histórias de outros tempos,,,tenho saudades tuas tio

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  6. pois é isso mesmo eu que o dia

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  7. Anónimo12.7.08

    Quantas vezes sentei ali tambem...

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  8. Histórias do tanque há as aos montes. É sentar e puxar pela lembrança. E eu lembro ... dos passeios pelas cálidas noites de Verão. Das conversas que despertavam os sentidos. E... lembro das investidas no céu. Quando nele tentavamos correr da ursa maior para a menor. Olha cassiopeia e ali orion. Não lembro o Verão mas, lembro que foi um em que o Toné nos passou este "vicio".

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  9. Anónimo13.11.08

    Descobri o teu blog na semana passada... (filha desnaturada da terra) e, confesso, senti uma certa inveja.
    Inveja porque não consigo (d)escrever o sinto como tu o fazes...porque Castelo Branco fica mais lindo nas tuas crónicas... porque choro de saudades...continua!!!.
    Tudo de bom.

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  10. Pena que nao disseste teu nome.
    Abraços

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  11. Amigos
    Alguém me diz o endereço do Blog da Aida.

    Abraço, Nelson Jacinto

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