Autor: Isaias Cordeiro
Da memória nunca fora apagado o passado nem esquecido o que por aqui tem de se fazer para termos parte dos bens essenciais em nossa casa. Colher uns sacos de batatas, umas restas de cebolas, tomates, pimentos as couves o feijão etc, era e sempre foi o desejo de quase todos os que aqui regressam mesmo sabendo que em termos financeiros por vezes ou quase sempre não tenham retorno absoluto do dinheiro gasto. Fabricar uma hortinha era até por questão social um preconceito a ter em linha de conta. Mesmo assim compartilho a ideia de que a micro- agricultura tem um papel importante na vida dos mais desfavorecidos.
Não fugindo a essa regra e nunca ter esquecido como se faz, eis – me a fabricar a pequena horta na Devesa anterior pertença do meu tio Zé Davide, á data já adquirida pelo meu cunhado residente em França. Pequena e de fraca qualidade agrícola ali teimosamente plantávamos de tudo um pouco. Curiosamente ao ano a que me refiro até amendoim lá se cultivou numa experiência para mim inédita
nunca mais repetida não pela produção que até foi boa mas sim pelo fraco interesse agrícola.
A horta exigia uma presença constante. Queixa-mo - nos hoje dos fracos recursos hídricos mas já nesse tempo era um dilema. Se é verdade que a água era em mais abundância também os utilizadores eram muitos mais já que desde as nascentes das Lameiras e do Noro até a esta horta havia muitas a regar. Todos os pedaços de terreno mesmo que de palmo e meio eram cultivados numa ideia que eram bons para o feijão e outros produtos.
Ano a ano escasseava a água e não era fácil regar durante o dia pois cada um procurava fazê-lo bem de madrugada e quase sempre por lá se passava o tempo. Pela agueira já não corria a suficiente capaz de regar. Os utilizadores mais a montante absorviam quase todo o caudal do ribeiro. Outrora este fazia rodar um moinho não muito longe desta horta do qual ainda existem vestígios. Diferenças abismais que a natureza nos dá com as suas alterações climáticas . Mesmo assim, nessa altura em todo o termo, aqui e ali encontrávamos Fontaelas,
era assim como eram designadas pequenas nascentes que nos matavam a sede todo ano, hoje percorremos o nosso termo e salvo uma ou outra ainda viva todas as restantes nem vestígios deixaram para a história.
Havia então duas alternativas para que esta horta fosse regada, passar ali toda a noite ou aproveitar as pequenas poçadas sendo que nesta opção e na falta de outros meios se fazia através de um Garibano e que tão bem a minha tia Maria Neto o movimentava quando me ia lá ter para essa prestimosa ajuda.
Um corpo franzino mas com uma força impressionante! Curiosamente esse garibano é uma das peças da minha colecção de pequenos utensílios agrícolas e nele uma pequena ave fez este ano o ninho e ali criou os seus filhotes.
Na verdade a opção era quase sempre ali passar a noite. Fizera-o vezes sem fim! Bem junto ao ribeiro e debaixo de um pessegueiro tinha a minha cama feita de colmo na qual aos solavancos dormia enquanto a água caminhava devagarinho pelos sulcos secos pelo sol tórrido do dia. As noites eram quase sempre muito escuras já que mesmo havendo luar a horta ficava assombrada pelas duas encostas que a ladeiam. O silêncio era quebrado de quando em vez pela coruja e outra bicharada.
Conversamos um pouco sobre a pouca água que chega aqui abaixo, fumamos uma cigarrada mandou andar o burro e disse, deixa-me ir embora que o teu tio Zé António também deve estar a aparecer.
(Texto em homenagem ao amigo Narciso José Rito, que Deus o tenha em descanso)
Saudações Albicastrenses
Isaías Cordeiro