Autor: Isabel Cristina Pereira
…Quem não quiser levar com farinha que tranque muito bem portas e janelas e por nada se mostre a rua…
Assim começa mais um dia de carnaval na nossa aldeia onde logo pela manha os rapazes com grandes sacos de farinha dão voltas por todas as ruas e casas atrás das raparigas. Nenhuma escapa ilesa se não se proteger, ganha quem mais raparigas conseguir enfarinhar e não só: quem conseguir enfarinhar a mais bem protegida aquela que se julgue melhor que as outras só por achar que talvez tenha melhor modo de vida ou se ache mais bonita, bem estas eram o premio mais cobiçado na nossa aldeia no dia de carnaval!
Depois de almoço eram as compras no ”soto” do senhor Arnaldo para comprar um piaçaba, um bale ou um penico, chocolate em pó, rascas pés, e bombinhas.
Prepara-se o cortejo: os carros alegóricos são as carroças dos burricos que passaram o ano todo a trabalhar, neste dia não há trabalhos forçados para ninguém apenas brincadeira.
Com um carvão enfarruscam-se as caras daqueles que não se vestem de entrudo, no penico fazem uma mistura de água com chocolate, alguns sobem para os carros outros vão a pé, dão volta a aldeia animando os que ali estão. Todas as pessoas que se encontram na rua são obrigadas a entrar na brincadeira, com o piaçaba molhado no chocolate borram-se os lábios de toda a gente e o cortejo lá vai. Ouvem-se gritos e risos das anedotas que alguém vai gritando alto e em bom som sempre relacionadas com tudo o que foi noticia durante o ano.
Para finalizar, o baile de fitas vem dar o tom da festa e nele as brincadeiras e a farinha continuam a marcar presença…
À noite quem não se lembra do atorrear no alto das figueirinhas, e dos casamentos de carnaval, da tradição do noivo ir comer as rosquilhas a casa da sua noiva?
De todos os rapazes solteiros da aldeia o mais velho encarregava-se de fazer de padre e do ponto mais alto e do local onde toda a aldeia pudesse ouvir fazia os casamentos, atorreava através de um grande funil ou para aqueles que ainda se lembram do famoso “embude.”
Faziam-se assim os casamentos que era nada mais do que casar todos aqueles que rodeavam o “padre “e sucessivamente iam pedindo a noiva que mais lhes agradava…
_Ôôôsenhor “fulano tal”, a sua filhaaaaaaaaaa já se quer casaaaaaaaaar… quem havemos de lhe dar para a sustentar?
E depois de uma breve pausa ele mesmo respondia a sua pergunta:
_Há-de de ser ôôô “fulano tal…”que é capaz de a governaaaaaar!... é bom rapaaaaaaaz, é bom rapaaaaaaz…é bom rapaz e é
E assim se passava, até ao último rapaz, que só arredava pé quando finalmente soava o seu nome através do “embude.”
Finalmente desciam todos do alto do monte e cada um se dirigia a casa da sua “mulher de carnaval” para a cumprimentar e comer as rosquilhas!
Lembro-me de um ano em que um rapaz ex emigrante que nunca tinha participado de um dos nossos carnavais depois de casado foi a casa da ”noiva” e ao ver o prato de rosquilhas que lhe puseram na frente começou a comer e comeu e comeu… que quase passou mal…As tantas quando não aguentava mais, disse a dona da casa: - Desculpe mas não consigo comer mais…
Só nesta altura é que a dona da casa percebeu que ele pensava que tinha que comer todas as rosquilhas que estavam num tabuleiro em cima da mesa. Este facto foi lembrado em tom de brincadeira durante muitos carnavais. E até hoje relembramos deste rapaz que não vou dizer o nome não vá ele levar a mal…
Novamente se juntam na praça os rapazes, desta vez para enterrar o entrudo, um boneco feito de palhas que dá volta a toda a aldeia num cortejo fúnebre para finalmente ir descasar numa enorme fogueira, e assim se enterra o entrudo até pro ano se Deus quiser!
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