Autor: António José Salgado Rodrigues
SE BEM ME LEMBRO, também nos meus tempos de adolescência tive os meus sonhos:- Era Inverno, rigoroso Inverno, Janeiro desabrido e agreste. O dia amanhecera sob uma manta de neve, mas O SOL VAI SUBINDO NO HORIZONTE. Manuel Cancela, como de costume, parte um carolo de pão e um naco de queijo para matar o bicho a que junta dois golos e água – ardente para aquecer o corpo e já com o “sarrão” a tiracolo onde já se encontrava a merenda para todo dia, toma o cajado abre o postigo da porta, espreita para ver os astros e qual não é o seu espanto quando vê tudo vestido de branco e logo diz para sua mulher Teresa:
-Olha que está neve, deixa ficar o garoto mais um pouco na cama mas não tarda que o sol apareça, que eu vou já botar as canhonas e vou caras à “Solheira” que por ali a neve deve impeçar já a demover e o Jorge que me vá a ter lá pela Retorta.
Solta dois assobios pelos cães, o Farrusco e o Nero, e toca andar que se faz tarde. E O SOL VAI SUBINDO NO HORIZONTE. De caras à corriça, trepa pela neve e eu, envolto no meu sonho, vem-me à memória a Balada de Augusto Gil, E VOU OLHAR ATRAVÉS DA VIDRAÇA E VEJO UNS TRAÇOS MINIATURAIS DE UNS PÈZITOS DE CRIANÇA. - MAS AS CRIANÇAS, SENHOR, PORQUE LHES DAIS TANTAS DORES, PORQUE PADECEM ASSIM !Chegado à corriça, ainda ali se encontra o Fiel, que nem por nada larga as ovelhas e à sua chegada, dá duas abanadelas de orelhas e estremece o corpo para sacudir alguns vestígios de neve e lança-lhe as patas ao peito como que a desejar-lhe as boas vindas e chamar-lhe preguiçoso por já passar da hora.
Ó Fiel, já sei que tens fome, quita do “sarrão ”uma côdea bem untada e atira-lha para se desenjoar. E O SOL VAI SUBINDO NO HORIZONTE.
Porta aberta, ó melguinha, ó morena e tu carriça, vamos lá, ao mesmo tempo que as afaga com um nico de pão e todos partem “Solheira” adiante caras ao “Preijal ou Cabeço dos Mouros” e Capela da Senhora da Vila Velha. A pastagem não era grande coisa, era o que a natureza dava, dadas as condições e circunstâncias. O frio apertava um pouco e Manuel Cancela, de manta estendida pelas costas, traça-a para melhor se agasalhar e eu ainda envolto no meu sonho, lembrava uma lição que aprendi no meu livro escolar da 3ª.classe e que rezava assim:
“CAI A NEVE, COBRINDO COM O SEU MANTO A TERRA DESPIDA DE FOLHAGEM.
OS POBRES PASSARINHOS PIAM TRISTEMENTE.
QUANTOS SERES HUMANOS, TRANSIDOS DE FRIO, NÃO TÊM UMA VELHA MANTA PARA SE COBRIR, UMA CÔDEA DE PÃO PARA ENGANAR A FOME!
JUNTO AO LAR, NAS ALDEIAS OU EM APOSENTOS CONFORTÀVELMENTE AQUECIDOS NAS CASAS DA CIDADE, MUITA GENTE NÃO SE LEMBRA DE QUE OS DESGRAÇADOS CASEBRES, ONDE NÃO ARDE UMA BRASA NEM BRILHA UMA LUZ, SOFREM OS RIGORES DO FRIO E OS TORMENTOS DA FOME.
QUANDO GOZARMOS A ABUNDÂNCIA DA NOSSA MESA E O CONFORTO DA NOSSA CASA, LEMBREMO-NOS DOS INFELIZES QUE TRAZEM O CORPO MAL COBERTO DE FARRAPOS E NÃO TÊM UM BOCADINHO DE PÃO.
AO ALIVIARMOS A MISÉRIA, SENTIREMOS UMA INEFÁFEL ALEGRIA NA ALMA.
PARECER-NOS-Á MAIS BRILHANTE O LUME DO NOSSO LAR, MAIS DELICIOSO O ACONCHEGO DA NOSSA CASA”.
E O SOL VAI SUBINDO NO HORIZONTE.E o Jorge já caminhava caras às Pombinhas, sempre que podia pela margem edénica da ribeira, cantarolando canções inebriantes, apreciando aqui e ali o murmúrio da corrente, as gradações da paisagem naquele boculismo campestre e dizendo lá para si: Ai se fosse Verão, que rica banhoca…e eu, envolto no meu sonho, lembrava:
É UM REGALO NA VIDA
Á BEIRA DE ÁGUA
QUEM TEM SEDE VAI BEBER,
QUEM TEM CALMA VAI NADAR.
E o Jorge ouvia já os sons onomatopaicos de chocalhos presos a pescoços de lã do ganau. Dá dois assobios para que o pai desse pela sua posição já próxima e o pai diz-lhe alto e bom som para que fosse ter ao lameiro do Pomar do senhor Professor para aí comerem a bucha.Toca as canhonas monte abaixo caras às hortas do” Pintelho” e umas, mais atrevidas, querem invadir terreno proibido e ao mesmo tempo que ordena ao Fiel, vira lá, atira uma pedra para as fazer voltar, e eu ainda no meu sonho, lembro:
PALAVRA FORA DA BOCA,
È PEDRA FORA DA MÃO
PALAVRAS, …PENSA PRIMEIRO,
TIRAS-AS DO TEU CORAÇÃO.
E O SOL VAI SUBINDO NO HORIZONTE.A neve já tinha demovido completamente e atravessaram a ribeira para a outra margem e foram encontrar-se no lameiro. Todos reunidos, as canhonas vão satisfazendo o apetite, enquanto Jorge e pai escolhem um lugar abrigado do vento e solarengo para comerem a bucha, enquanto os cães também aguardam a sua refeição mais para enganar do que satisfazer a fome, mas Manuel Cancela atira-lhe umas boas côdeas bem untadas, e de seguida serve o Jorge com um bom pedaço de pão e chouriça e para ele uma côdea com bom naco de toucinho e às tantas pergunta ao filho como se tinha visto com a neve, ao que ele respondeu: Nada mal, vinha é com receio que vocemecê tropeçasse nalguma pedra escondida debaixo da neve e caísse e eu cá longe sem o poder socorrer.
Sentados cada um em seu calhau ajeitados à maneira, toca de comer que a barriga já estava a dar horas. E O SOL JÁ VAI DESCENDO NO HORIZONTE. Comida a merenda, ali ficaram um pouco e o Manuel, bem aconchegado, começa a “passar pelas brasas”, pelo que o Jorge,
sem que o pai desse por tal, levanta-se sorrateiramente e vai à drede ver como o gado anda e se os cães estavam de atalaia não surgisse algum lobo fazer-lhe uma visita indesejável. Dirigiu-se para junto do ribeiro que vem das” Chousas” e dá acesso ao monte do “Gil”, e ao aproximar-se de uma densa carrasqueira, fica hirto e estarrecido ao lobrigar já perto um corpulento lobo que descia o monte. Toca de gritar pelos cães, Fiel, Farrusco, Nero (que afitam as orelhas), olha lobo, ataca Farrusco…as canhonas apercebem-se do perigo e fogem desordenadas, os gritos do Jorge e o latido dos cães fazem que o Manuel acorde sobressaltado e clama pelo Jorge a saber o que se passa. Ó Pai, aplaque-se que os cães já o afugentaram amanhe lá as canhonas e vamos indo. E O SOL VAI DESCENDO NO HORIZONTE. Ó Jorge, para a próxima vez teremos que nos precatar melhor. E Jorge, chasqueando para o pai, que era afamado de bom pastor, “pois é, cria fama e deita-te a dormir”, eu e o Farrusco ainda fomos perscrutar-lhe o rasto mas nada conseguimos, vocemecê tem sorte é ter estes cães.Vá Jorge, vamos então pela borda da ribeira acima para que as canhonas se vão acabando de enfartar, E O SOL VAI DESCENDO NO HORIZONTE, que já quase toca o cume do cabeço do “Gil”. O Jorge à frente acompanhado do Farrusco, com as suas cucuias próprias da sua idade, ia à cata do melhor pasto, enquanto o Fiel e Nero acompanhavam o Manuel que ia também lobrigando as melhores pastagens para futuro pastoreio, ia cabisbaixo e dolentemente com o que lhe poderia ter sucedido. A tarde impeçava a surgir a passos largos. E O SOL VAI DESCENDO NO HORIZONTE, e a sombra já banha todo o caminho. Toca de apressar o passo. O povo aproxima-se e já se houvem os galos anunciando o anoitecer. A luz crepuscular esmorece e os fumos das lareiras começam a subir. Seguem já pelo Carrascal E O SOL ACABOU DE DESCER NO HORIZONTE. O sino toca às Trindades, anunciando a hora sacrossanta do Sol-pôr e o Jorge olha para trás e vê o pai tirar o chapéu por momentos e benzer-se; tira o boné e faz também o mesmo, com a convicção de afugentar rostos patibulares que parecem embaraçar-lhe o espírito, e como criança ainda inocente vai pensando no futuro que lhe estará reservado e como que com uma magia a iluminar-lhe o subconsciente, pergunta lá para o seu EGO, o que precisaria para ser uma criança feliz? E eu, ainda envolto no meu sonho, pareceu-me ouvir uma voz que dizia:
AMAR COMO JESUS AMOU,
SONHAR COMO JESUS SONHOU.
PENSAR COMO JESUS PENSOU.
VIVER COMO JESUS VIVEU.
E foi com um sorriso de Jesus que acordei e foi uma das poucas vezes que acordei FELIZ.
E ainda meio sonâmbulo vieram-me à memória, SE BEM ME LEMBRO, alguns pensamentos:
“AQUELE QUE VIVE CONTENTE COM A SUA SORTE PODE JULGAR-SE UM HOMEM FELIZ”.
“O VERDADEIRO SOL PARA UMA CRIANÇA É O SORRISO DE SUA MÃE”.
“A TRISTEZA FAZ-NOS VELHOS ANTES DA VELHICE”.
“SE QUEREIS EVITAR O REMORSO, PRATICAI CONSTANTEMENTE A VIRTUDE”.
“UM CORAÇÃO DE CRIANÇA DEVE SER TÃO PURO COMO O LÍRIO, TÃO CLARO COMO O ORVALHO, TÃO VERDADEIRO COMO O ESPELHO, TÃO FRESCO COMO A FONTE, TÃO ALEGRE COMO AS AVEZINHAS DO BOSQUE”.
“NÃO TOMES DECISÕES QUANDO ESTIVERES ZANGADO”.
“NÃO ACREDITES EM TUDO O QUE OUVES E NÃO DIGAS TUDO O QUE PENSAS”.
“HÁ COISAS NA VIDA QUE NUNCA PODERÃO SER RECUPERADAS: A PALAVRA FALADA – O TEMPO QUE PASSOU E AS OPORTUNIDADES”.
“NÃO TE ENVAIDEÇAS DO QUE SABES; - MAS REPARA SEMPRE NO QUE DIZES”.
(Os personagens e locais referidos são pura coincidência com a realidade)
(Forte abraço do António José Salgado Rodrigues)
.
Sem comentários:
Enviar um comentário