Autor: António José Salgado Rodrigues
Tal como vos deixar perceber no artigo anterior, aqui estou a relembrar algumas passagens da minha meninice extra escolares. Ao passar o olhar por alguns que já li, e servem não só para me avivar a memória como também me ajudam a passar a minha ociosidade.
SE BEM ME LEMBRO…
Quando meu pai foi colocado, como professor, em Castelo Branco, (1946?) transferido de Castro Vicente, indo substituir o então professor Sequeira que vivia numa casa de um só piso acima da rua, ao lado do tanque da praça ou tanque do chafariz e junto à do meu avô – Nascimento Rodrigues – que depois comprou e hoje julgo pertencerem aos herdeiros do Ramiro Malandras. Não possuíamos casa, pelo que fomos viver para a que tínhamos em Meirinhos enquanto não nos foi emprestada uma por meu avô e esposa, a senhora Glória Moura - madrasta de meu pai – sita na Rua do Vale – parte do primeiro piso da que foi do falecido senhor António Moura – avô do professor Pedro – hoje em parte já remodelada, pelo que tínhamos, eu e meu pai, andar atrás e adiante entre Meirinhos e Castelo Branco, montados numa boa égua (transportes de então ) debaixo por vezes de forte temporal de chuva, vento e neve. Chegados ao alto das Figueirinhas logo se avistava a aldeia e começava o findar de um pesadelo e a primeira paragem era no tanque da Praça ou Chafariz para a égua se sedentar.
SE BEM ME LEMBRO…
Gostava imenso de conviver com os criados de meu avô nos trabalhos do campo na propriedade do Prado. Tinha mais gosto do que andar na escola e o gosto que me dava quando eles me deixavam “ chamar os bois) que puxavam o carro! Outras vezes ia com meu avô até à mesma propriedade quando ele ia a regar e apreciava o modo de puxar a água da ribeira através da “cegonha” e eu ir para o fundo dos sucos das batatas e feijões ver quando a água ali chegava, para a mesma ser mudada para outro suco. E quando a vinha já estava escavada, eu e o Manuel Moura, sentados na terra em frente das cepas, com uma faca de bolso retirávamos a casca dos troncos. Também quis ceifar a aveia e “ferranha”,-caules do centeio ainda verde – e lembro-me dar um pequeno golpe num dedo com uma “seitoira”, foice, das de corte afiado e tamanho maior, não sei se lhes chamava espanhola. Dava-me imenso prazer comer à mesma mesa com os criados e comermos todos do mesmo prato belas baratas da horta do prado e regadas com abundante azeite e colorau que ainda hoje me estão a saber bem, mas meio às escondidas de meu avô.
SE BEM ME LEMBRO…
Já Primavera dentro, ia a cavalo na égua para as margens da ribeira, defronte da horta para que ela pastasse eu, já prevenido de calçado velho, entretinha-me no caminho para onde pendiam frondosos castanheiros, fazer de ouriços velhos e pequenas cascas, bola, à falta de coisa melhor e satisfazer o gosto de jogar a bola. Esforçava-me por chutar mais com o pé esquerdo, do direito já eu sabia e assim estar habilitado a chutar com ambos os pés, o que consegui mas que nunca pôde exibir, só mais tarde nos colégios ,pois era reprimido por jogar a bola. Quem sabe se tenho sido apoiado, não teria sido um “Ronaldo” Deixei transparecer no artigo anterior que era castigado quando se vinha a saber que eu tinha andado a jogar a bola. Quando à noitinha chegava a casa e ao descalçar as botas lhe faltava alguma “brocha”,já sabia que as levava, pelo que à “sucapa”, consegui arranjar umas daquelas ferragens que iam no meu bolso, para quando, antes de entrar em casa depois de umas jogadas, fazer inspecção às botas para, caso faltasse alguma, eu próprio as substituía e dava um pequeno desgaste para não se notar que eram novas, algumas vezes a criada lá mentia e dizia que estava tudo em ordem para me evitar o castigo.
SE BEM ME LEMBRO…
E a propósito de uma fotografia que vi no Portal, da fonte do Vale ,nada que se pareça com aqueles tempos, as pessoas iam abastecer-se de água e para chegar à entrada da fonte era necessário passar por uma pequena chaca rodeada de cantarias, e as pessoas para tirarem a água, tinham que se debruçar sob uma pedra de cantaria para mais facilmente chegar à água, mas com toda a cautela em não cair, pois aquilo era um perigo, a fonte era e é muito funda. Certo dia já da parte de tarde, ouviu-se um brado a pedir socorro, pois uma criança de tenra idade tinha caído à água e já estava a boiar e lá fui também ver o que se passava. Quando cheguei já estava a criança fora de água e compareceu logo o saudoso Dr. Vergilio, que mandou que a mesma fosse colocada de costas com a cabeça para o lado mais baixo da rua, ali mesmo junto a um barraco que servia de forja não sei já a quem e que hoje faz parte da casa do Joaquim pedreiro. Já não me lembro quem a retirou da água, lembro-me que colocada a criança na posição indicada, logo começou aquele clínico fazer-lhe exercícios de reanimação e flexões no tórax e passados uns momentos a criança começou a deitar água pela boca até à sua total reanimação e assim se salvou uma vida, vítima da incúria dos homens em ter ali, quase a céu aberto, tremenda ratoeira. Essa criança por todos acarinhada , é a Maria Elisa Carreiro, que todos conhecem mas não e reconheço já, são várias irmãs e pela fisionomia posso enganar-me. Ainda te lembras, Maria Elisa?
SE BEM ME LEMBRO…
E já foi referido por outros, naquele tempo já havia água canalizada para o depósito perto da Igreja e daqui seguia e julgo ainda o ser, para os marcos que ainda devem existir, nas traseiras da Igreja, no Vale, na Praça, na Praça de Cima e não recordo mais, onde as pessoas se iam abastecer com cântaros de barro ou zinco. Em nossa casa quando não tínhamos criada, era a senhora Elisa praça e na sua impossibilidades, seus filhos Afonso e Carminda Freitas, outras vezes pela senhora Idalina Neto, e na sua indisponibilidade, seus filhos Lúcia e o nosso amigo e bem conhecido Isaías Cordeiro. Ainda te lembras caro amigo? Bem cedo tua carinhosa mãe incutiu em ti as boas maneiras de obediência, respeito, trabalho e honestidade e que tu tão bem conseguiste assimilar. As calçadas à portuguesa eram só nas principais ruas, mas no Inverno tudo cheio de lama e por onde vagueavam porcos e galinhas. Não havia saneamentos públicos nem privados e casas de banho. Coitadas das donas de casa como se viam para fazerem os “despejos”, como se dizia. Lembro-me que no Vale, valíamo-nos das ruínas de um casarão mesmo atrás do tanque e no ribeiro que vem emparedado desde as Fontainhas e por vezes do “canelho” que saído do curral em frente da casa do sr. António cacildo ia desabocar junto à escola velha. Não havia luz eléctrica – só em Setembro de 1989 – Éramos iluminados com a luz das candeias e candeeiros a petróleo ou azeite e que hoje fazem parte decoração. Já me esquecia de dizer ao Isaías que lhe serviu de treino o ter sido nosso aguadeiro, para depois desempenha cabalmente a tarefa de “garoto da água”.
SE BEM ME LEMBRO…
Em Outubro de 1949 fui assentar praça no Colégio de Lamego ,onde a disciplina que me esperava continuava a ser rígida a não ser a liberdade de jogar a bola. Só vinha a Castelo Branco nas férias onde me juntava com a malta do meu tempo mas alguns já não tinham muito tempo para me acompanharem por terem de ajudar os pais na agricultura. O tempo foi passando por nós e eu lá continuava com a minha sina, mas á medida que ia crescendo ia aumentando a minha rebeldia e cheguei ao ponto de, com os “súcias”,no recreio da noite que era o mais prolongado, fugíamos por uma bem disfarçada abertura de uma retrete que tínhamos a um canto do recreio e lá íamos dar umas voltas pequenas ,pois o tempo era pouco e chegávamos sempre a horas sem que a sentinela nos topasse, pois estava tudo controlado, noutros dias trocava-se de fugitivos. Como a maioria eu, apesar de interno, também arranjei um namorico que em visitas ao Liceu e breves olhares trocados e pequenas palavras de recém conhecimento ,o namoro foi pedido por carta levada secretamente por bons amigos e que também traziam a resposta e era assim o namoro, a não ser aos Domingos que tínhamos passeio, que apenas conversávamos um pouco tempo e nada mais… o tempo tinha que ser bem controlado, pois o frade que nos acompanhava pouca liberdade nos dava. Aquando das férias, para me corresponder, tive que arranjar alguém de confiança para ser o meu caixa do correio e foi o bom amigo e mais velho que eu, o Ernesto Parreira, irmão ao Arlindo a quem peço que depois de leres estas peripécias ,perguntes ao Ernesto se ainda se lembra. Com a minha transferência para um colégio de Bragança, pois já não aguentava mais tanta restrição, isto em 1955,onde a disciplina nada que se comparasse ao ponto de termos eu, e novos “súcias”, sairmos do colégio depois do jantar e que de uma vez ficarmos até bem mais tarde, quando vínhamos para entrar, deparámos que as várias janelas que previamente tínhamos deixado em posição de abrir, estavam fechadas mas numa que não tinha sido detectada pelo director ao tentar entrar o primeiro foi surpreendido por aquele e já ninguém entrou, pelo que fomos pedir guarida a um colega externo que nos cedeu um quartito para sete onde ficámos aquela noite e no dia seguinte fomo-nos apresentar no colégio às horas do pequeno almoço e em conclusão, levamos um grande raspanete e folgas cortadas durante alguns dias (poucos ).Mas eu ainda não contente ,quiz sair do colégio como interno e arranjei casa particular onde éramos uns seis ou sete. Foi a liberdade total que além de outras travessuras, andei três anos para conseguir fazer o exame de 5º. Ano dessa altura depois ainda fiz uma cadeira ou duas do 7º. Ano, ainda demonstrei vontade de ir para o magistério primário para professor, mas não me foi dada animação devido ao exemplo que tinha em casa em como era duro ser-se professor naquela altura, e então enveredei pela função pública tendo vir acabar a carreira em Mogadouro onde me encontro às ordens dos meus amigos .Não queria acabar este capítulo sem dedicar esta parte ao meu querido afilhado Arlindo .Tal como tu e teus comparsas de então ,além de muitas e variadas tropelias, namoricos e outras no género ,aprendi contigo agora como se tiravam os ovos das capoeiras, quanto a galinhas ,além da técnica do grão de milho, mais coisa menos coisa, quando se aproximava o 1º.de Dezembro, durante o dia fazia-se um exame adequado ao local do galinheiro e depois já noite dentro,lançávamos uns esgrichos de éter para as adormecer e localizada a posição das patas da galinha, com um varapau, muito ao de leve,davam-se umas pancadinhas nas patas até elas deixarem o poleiro trocando-o pelo nosso e seguidamente, com todo o jeito puxava-se suavemente o varapau e logo à saída da buraca sem que a presa começasse com o cocorococó, um dos súcias apertava-lhe o gasganete e ia para o saco, e assim ela e outras aves, mesmo perús furtados ao chefe da policia…. e outros, para serem bem saboreadas na noite do 1º. De Dezembro em jantar bem regado a que se seguia a tradicional serenata.
SE BEM ME LEMBRO…
Em noites de Inverno, íamos passar o serão para casa dos pais do Arlindo que ainda não seria bem gente, onde se tagarelava de vários assuntos da época e de outras épocas e o patusco do senhor “Chico Cabra”, como era conhecido ,tinha sempre uma história para contar de fazer rir ( o Arlindo tem a quem se parecer ), onde estava sua esposa, senhora Ernestina, e os filhos Zulmira, Ernesto ( o meu posto de correio que atrás referi como meu mensageiro das cartas amorosas, e aquando dessa narração esqueci-me de referir que essa namorada ainda se encontra solteirona e reformada de médica ginecologista em Lamego e nunca mais vi ),a Maria, a Felisbela, o Ilídio e ainda bebé a Balbina, que o Senhor chamou ainda de tenra idade, depois de doença respiratória devido a grande inflamação das anginas, vindo a seguir aquele que viria a ser o último Regedor de Castelo Branco, o Arlindo. Éramos como família, hoje já se vê pouco disto.
SE BEM ME LEMBRO… nas tardes e noites quentes de Verão, sentávamo-nos numa grande cantaria atrás da casa do Arlindo onde se vinham juntar os senhores Francisco Parreira, Acácio Costa, Nicolau Cordeiro, António Moura e mais algum que por ali passava, e por vezes o estimado amigo Doutor Alcindo, que uma vez por outra levava a guitarra e nos deliciava com o dedilhar das suas cordas, e em outras noites, juntávamo-nos à porta de sua casa sentados nos bancos de pedra também junto à casa do senhor António Moura ou em pequena rima de lenha em frente, onde também se vinham juntar os avós da nossa amiga Aida , Zé António e Aida e outros moradores dessa Travessa da Igreja, onde o amigo Doutor além das guitarradas, cantava como ninguém, fados de Coimbra. Bem quis ele que eu aprendesse a tocar guitarra ou viola, mas nunca o consegui, falta de ouvido…, pois ele, além destes instrumentos tocada, e deve continuar a tocar, mais 2 ou 3 e até realejo. Outras vezes quando de casa se ouvia a sua voz de cristal, ao som da viola, entoar os seus fados de Coimbra, eu os vizinhos do meu tempo sentávamo-nos nas escadas do já referido António Frontoura, a voz de rouxinol que ecoava das janelas das traseiras de sua casa que davam para aquela nossa rua a que nós chamávamos curral.
SE BEM ME LEMBRO…
E ainda com respeito a este nosso amigo, já em férias de verão, e pelas tardes encontrávamo-nos e sentados na referida cantaria, tínhamos as nossas conversas, dava-se um passeio, onde fomos até ao alto de Caravelas, quando as máquinas e mão do homem desbravavam e escavavam aquela serra para o rompimento da estrada que hoje passa por Castelo Branco. Outras vezes íamos até à sua horta junto à ribeira, que já não me lembro o nome e era necessário atravessar a mesma ribeira por cima de grandes calhaus e onde ali bem perto ainda deve existir o que na altura era moinho do Dr. Vergilio. Outras vezes, atravessada a ribeira, subíamos pela margem até onde a suavidade das margens e cristalinas águas eram palco de autêntica aldeia da roupa branca, e onde já sabíamos ir encontrar jovens e bonitas lavadeiras, que ainda recordo algumas mas, como deveis compreender, me abstenho de revelar. Ainda se lembra, meu caro Doutor?
SE BEM ME LEMBRO…
Numa altura que meu pai estava ausente em serviço de exames, deixou-me ordem para ir cortar o cabelo ao senhor Horácio Costa, para o que me deixou uma moeda de um escudo, dizíamos nós “ duas croas”.Acontece que me juntei com outros amigos e vai daí fui ao “soto” da senhor Varizo, que ainda família, comprar rebuçados e por isso me dava sempre mais dois ou três, e assim gastei as “duas croas”,e não fui cortar o cabelo. Chegado meu pai, sem que ele se apercebesse, fui ter com minha extremosa mãe para me dar dinheiro para ir cortar o cabelo e o meu pai, apercebendo-se do assunto, sempre me perguntou o que tinha feito ao dinheiro que me havia deixado, e com vergonha e medo disse o que se passara e, além do castigo físico, foi-me dada “uma croa”,para ir rapar o cabelo, o que o senhor Horácio ficou intrigado, mas nada me disse. Quando necessitei de fazer corte de cabelo, foi-me dada novamente outra “croa” para ir de novo rapar o cabelo e lá fui novamente e no fim da tosquia o senhor Horácio sempre me perguntou porque rapava o cabelo duas vezes seguidas ao que eu, meio envergonhado contei o que passara, ao que ele até com certa mágoa diz-me: Ó Antoninho, se eu soubesse, não o tinha rapado. E assim foi poupado um corte de cabelo normal. Além deste barbeiro, ainda me lembro de ir cortar o cabelo no Vergilio Moreno, Antoninho Salgueiro e Álvaro Pombo.
SE BEM ME LEMBRO…
Em plena semana santa, era costume todos os santos dos altares estarem encobertos por panos de cor roxa, algumas mulheres andarem de lenço preto a cobrir-lhe a cabeça em sinal de pesar e luto, os sinos deixarem de tocar pelo que eram substituídos pelo som estridente que sobressaia do toque da “matraca”,que dois ou três moços novatos percorriam as principais ruas da aldeia pelo anoitecer, a fim de convidar as pessoas a um recolhimento espiritual . É natural que aquela matraca ainda se encontre algures na sacristia e podereis apreciar como ela funciona ou, para os mais novos, perguntai a vossos pais ou avós os contornos da mesma, se por lá estiver vou pedir ao amigo Isaías para a fotografar a fim de fazer parte deste texto. No Sábado de aleluia, depois da meia noite ,alguns moços mais azougados, trepavam pelas escadas de acesso ao campanário, que estava fechado, e com a sua astúcia lá conseguiam chegar aos sinos que começavam logo a repenicar, mas que o senhor padre Neto não gostava por serem horas de descanso e por vezes lá os fazia aceitarem o seu conselho, mas depois já com o sol a raiar, tiravam a desforra e era parte de Sábado, pelo menos depois do meio dia que os sinos tocavam, e de que maneira. Domingo de Páscoa, logo de manhã, voltavam a repenicar os sinos. Finda a missa e a seguir ao almoço ,começava o “tirar o folar”, hoje visita pascal que já sabem como é. Naquele tempo saía da Igreja um pequeno cortejo que ia aumentando à medida que as casas eram abençoadas, e entoando cânticos de aleluia. Encabeçava o cortejo além do padre, três homens que trasportavam as lanternas ,um deles era o senhor Pardal ,pai do Luis e a cruz com enfeite de ramo de buxo e oliveira. Só lembro que o portador da cruz era e foi durante muitos anos, o senhor Horácio Neto (avô dos amigos Mário e Antonio Neto) e parece que o estou a ver com toda a vivacidade, apesar dos seus cabelos brancos ,calcorrear pelas ruas fora, entoando o cântico que ele sempre primava,Ó morte, sempre vencedora, onde está agora a tua vitória… e o cortejo respondia … ressuscitou, ressuscitou, aleluia, aleluia; Cristo crucificado ressuscitou, … e o coro respondia em uníssono… aleluia, aleluia, tudo compassado, caminhava-se com alegria .Seguiam também outros encarregados de guardar as oferendas para o senhor Padre ,e à frente do cortejo seguiam 2 ou 3 jovens que se revezavam em tocar a campainha que anunciava a passagem da visita pascal. Juntava-se mesmo muita gente, ia-se petiscando e bebendo aqui e acolá, e assim se passava o dia de Páscoa.
SE BEM ME LEMBRO…
Também no meu tempo via festejar o Carnaval e que muito me custava não poder participar. Lembro-me perfeitamente dos “casamentos aú” e como já li dois detalhes, vai também o meu que lembro com saudade. Quando, lá ao longe, se ouvia o entoar de atorreamento carnavalesco que ecoava através de um bom “embude”, era prenúncio que os casamenteiros estavam próximo e renascia em nós a esperança de ver coma seria o casamento. Mais próximo, já na rua da Vale, ouve-se então: “Ó senhor Nascimento aú, a sua filha Ana já se quer casar? Depois de breve silêncio, vem a resposta, outras vozes, sim. .. E quem lhe havemos de dar para a sustentar..? Nova pausa e dizem; há de ser o Antoninho do senhor professor que é capaz de a governar..e de seguida e em coro ,é bom rapaz, é bom rapaz..Lembro que uma das vezes e com a devida permissão, entrei e fui a casa da noiva “pedir a mão”,que com toda a gentileza fui recebido e se comeram uns doces e beberam-se uns cálices de licor. Lembro também algumas passagens de festejos carnavalescos com vários mascarados de diversos disfarces que acompanhavam em cortejo e com burros à mistura, também eles engalanados a preceito e não podia deixar de recordar o cortejo que, além de variados caretos e outros figurantes do género, o impagável Mário Lapo que, cavalgando o seu pachorrento macho, “o mosquito”, com uns dois pares de albardas donde pendia de cada lado, servindo de estribo, uma caldeira velha e o nosso amigo Mário todo sumptuoso, tinha como roupagem apenas a cobri-lo, uma colcha de renda que deixava transparecer todo o corpo e seus contornos…, o que não agradou a alguns mas alegrou a muitos mais com fortes gargalhadas. Tal era a mansidão do “ mosquito “, que mesmo com as bombas de carnaval a estourarem-lhe debaixo das patas faziam com que ele se espantasse. Nesses cortejos seguiam, como já disse, seguiam vários mascarados que, disfarçadamente, levavam nas algibeiras e pequenos saquitos, cinza bem peneirada para atirar pela multidão que assistia à sua passagem, mas as meninas mais prendadas eram presenteadas com farinha ou pó de arroz ou até mesmo “enforretadas “. Quando as meninas vistosas se encontravam às janelas e varandas para evitarem aqueles mimos, lá se atiravam uns punhados de farinha e quando algum com mais destreza tentava invadir os seus aposentos eram atingidos com uns copos de água. Muitas vezes assaltava-se a casa por portas travessas, pois uma ou outra e até a dona de casa, já combinada com os assaltantes, lhes permitiam chegar às vítimas, que então eram bem polvilhadas com farinha, pó de arroz e acariciadas com as mãos bem ferreteadas com cortiça queimada, apesar de todos os esquivos. Outras mais afoitas seguiam no cortejo e conviviam alegremente com os rapazes e travavam luta para ver qual o que ficava mais enferretado e branqueado de farinha, era uma camaradagem sadia, naquele tempo ainda não se tinham serpentinas de maneira que os foliões se valiam dos artifícios usados naquela época. Mais lembranças tinha para contar, algumas bem tristes, mas não as comento, essas estão bem guardadas no coração.
Já vai mais que longo este arrazoado, por isso aqui deixo um obrigado a quem tiver a pachorra de o ler. Deixo um agradecimento muito especial para os amigos Isaías Cordeiro e Luis Pardal que se vão encarregar de substantificar o texto “ SE BEM ME LEMBRO “.
Um afectuoso abraço do, para os amigos, continua a ser o Antoninho.
António José Salgado Rodrigues
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