Autor: Luis Pardal
Já lá vai o tempo do inverno. As folhagens sucederam às flores que agora encobrem cachos verdes de pinções de cerejas ainda a amadurar.
O dia do São Bernardino está próximo. O Santo das cerejas, do começo do verão, das ceifas, das colheitas e das hortas pra regar com a água dos ribeiros, que depois disso como que a dizer, tarefa cumprida, secam por inteiro até as chuvas do final do outono.
Um padroeiro muito interessante, São Bernardino, que divide na nossa terra, com Sta. Barbara, a difícil tarefa de serem os protetores das trovoadas. Apesar de dividirem a responsabilidade de mandar as trovoadas embora do espaço aéreo albicastrense, é Santa Barbara que leva a melhor, e que fica com os louros, pois nunca ouvi alguém dizer pelo povo: “só te lembras de São Bernardino quando troveja”. Mas, à Barbara o que é de Barbara, e a Bernardino às cerejas e festa de maio. Eles que estão lá no alto do céu não devem dar muita importância pra estes títulos carinhosos com que nosso povo os apelidou.
A devoção e as crenças populares estão cada vez mais distantes e perdidas na memória do povo. Mudam-se os tempos, e as necessidades. O bom santo perdeu a função, poucos ainda se lembram dele quando troveja. Eu confesso minha fé, mesmo longe da terra quando as chuvas, trovões e relâmpagos ameaçam, é para ele que elevo minha prece, meu rico São Bernardino.
Isto porque me ficaram no coração e na mente as memórias e imagens guardadas da infância, que me trazem de volta o sentimento de angústia e aflição que nosso povo vivia com a ameaça das trovoadas.
O sustento das almas e dos corpos vinha da terra. A vida e a subsistência estavam nos campos de trigo, centeio, cevada e nas hortas plantadas com batatas, cebolas, feijões, couves, pimentos e alfaces. As trovoadas ameaçavam e punham tudo isto a perder. A fartura e o resultado de um ano inteiro de trabalhos eram perdidos em minutos de tempestade.
A vida tinha prioridades e valores diferentes das de hoje em dia, as pessoas eram mais solidárias, compartilhavam das mesmas alegrias e dores, viviam juntas os mesmos destinos e sinas.
Assim quando as nuvens ameaçavam trazer a trovoada, lá estavam as mulheres da nossa terra, a correr para a igreja a pedir a São Bernardino a proteção. Normalmente, eram preces desesperadas e sentidas. Vindas do mais fundo do coração das mães que anteviam a falta do pão nas mesas. Mães que sentiam por antecipação na própria carne a fome dos filhos ou o frio do terrível inverno que teriam que passar com a tulha vazia.
Mulheres atentas, que tinham a missão de zelar pela vida que corria perigo com a chegada dessas forças terríveis da natureza.
Mulheres sábias que, ao verem que a ameaça era maior que a força delas, apelavam para o divino, por se sentirem pequenas perante a enormidade da natureza, que se preparava para descarregar um dilúvio por cima da aldeia. Ninguém melhor que São Bernardino e Santa Barbara para interceder.
Acudiam a igreja com uma escada para descer os santos do altar. Depois, em contrita procissão, subiam à torre da Igreja e lá ficavam a rezar, e a repetir ladainhas entrecortadas por Ave Marias e padre nossos, abraçadas aos santos padroeiros.
A fé move montanhas. Foram muitas trovoadas que as mulheres de Castelo branco fizeram dispersar a olhos vistos por cima dos cabeços e montes da nossa terra.
Nem sempre a fé foi suficiente para evitar tragédias, e nem os santos tiveram tal poder. Houve uma trovoada que ficou famosa em nossa aldeia pela desgraça que criou. Quem me lembrou dela foi o nosso amigo Arlindo. Muito em breve estará aqui esta história pra relembrar do acontecimento e da solidariedade das gentes albicastrenses.
Luis Pardal
Foto Guilherme Sanches
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