Autor: Dulce Pombo
As tardes lentas traziam o enfado de qualquer aldeia de Trás-os-Montes, que se projectava numa noite curta de quase nada para fazer.
Os ventos soavam no asfalto estreito da Casa Grande a cada carro que passava na cadência do tempo lento que acompanhava as sombras do sol que se punha.
De quando em quando, forasteiros resolviam parar em busca de algo que nunca encontravam na aldeia tendo que seguir até à vila.
De entre os que por ali paravam, nem todos partiam. Havia uma família que visitava a aldeia depois de já ter pernoitado em outra aldeia vizinha.
Os Triteiros.[1]
Saltimbancos de necessidade, olhares de fome e roupas que lembravam caminhantes de pó! Vinha o pai, a mãe e as crianças. Todos eles da escola da arte que a necessidade fez.
Eram bem-vindos porque quebravam a monotonia das tardes lentas e das noites curtas.
Depois de anunciada a sua chegada pelo meu primo Virgílio [2] que levava a novidade até ao vale, dali seguia por todo o povo.
Pela noitinha seguíamos com um banquinho até à praça, a sala de espectáculo ambulante que nos traria as mais difíceis aventuras do arame e dos malabarismos aprendidos á custa da força de ser nómada.
Ali sentada me lembro da boca de espanto que eu e outros miúdos fazíamos ao som de tamanhas habilidades. Imagens que me fazem viajar como viajei ao ler livros de Garcia Marquez. Se aqui na minha aldeia os Triteiros chegam e partiam, também em outras terras e outros continentes o mesmo acontecia.
Triteiros que entretinham não só por arte ao oficio mas pela necessidade de ter uma terra só sua, por uma noite sem olhares soslaios de quem não gosta de forasteiros.
Nómadas amados numa praça cheia de traquitanas que se embalavam no dia seguinte. Generosidades albicastrenses que caiam num chapéu de gratidão.
Trocas justas e recíprocas.
Era assim que se passava a distracção de uma noite curta na minha aldeia!
Texto de Dulce Pombo
[1] Homens de Circo no dicionário Albicastrense
[2] Honro aqui o seu nome e a saudade da sua imagem
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