Revisitando Castelo Branco

23/12/2010

A horta das Lameiras

Autor: Aida Freitas Ferreira

O texto andava na gaveta e fazia parte do meu diário de infância e dos dias de Verão que passava com os meus avós e que com eles ia às hortas.E…depois de há tempos ler o trecho do meu primo Isaías sobre este local voltei ao meu arquivo pessoal.

Naquela noite quente a minha avó Aida (Cordeiro) veio a nossa casa depois do jantar perguntar-me se não queria ir com ela regar à horta das Lameiras ao que eu logo acedi.

Pelas cinco horas da manhã fui acordada pela voz da minha avó:- Oh Aidinha! Aidiiinha! Anda minha filha, levanta-te.

Acabrunhada fui-me vestindo e calçando. Desci as escadas para cozinha e aí já me esperava a caneca de leite com cevada e uma torrada.

- Despacha-te! Olha que o avô já foi há um bom bocado e já deve estar a chegar à horta. Exclamou ela no sentido de me apressar.

Quando desci as escadas de acesso à rua a burra já estava albardada e as portas da adega e da curralada fechadas.Quando desci as escadas de acesso à rua a burra já estava albardada e as portas da adega e da curralada fechadas. Faltava apenas eu. A madrugada estava ainda fria apesar de ser pleno Julho. Agasalhada pelo casaco de malha lá subi para cima da burra e subimos a íngreme rua da Igreja. Eu a cavalo e a minha avó a pé puxando a rédea da burra para a ajudar naquele intervalo da casa da Ti Garcinda, pois ali ela resvalava e de nada valiam as ferraduras pois os paralelos pareciam ter manteiga.

Passando o adro da igreja e chegadas ao triangulo a minha avó montou na burra. Eu escarranchada na frente da albarda e a minha avó sentada na traseira. Subir a estrada até chegar ao cruzamento da Serrinha da Rodela, no corte no Alto de Sto António e fugir dela. A falta dos balidos das ovelhas denunciava que já não estavam na corte ou mesmo até que tinham passado a noite ao relento, aproveitando as belas noites de Verão.

Atravessamos mais uma vez a estrada agora já do lado de baixo da Serrinha e descemos em direcção à horta do Arlindo a caminho da Devesa. Daqui até às Lameiras encontramos quase todos os vizinhos. O caudal do ribeiro era pequeno e até às Lameiras de Cima havia muitas hortas, muito feijão, muito cebolo e muito tomate para regar. A augueira traz água pois os das hortas de baixo madrugavam mais no sentido de obter rega. Fizera-se acordo dos dias de rega e este era já tido por tácito para que todos pudessem ter água na horta. Muitos aí passam a noite como forma de aproveitar o tempo e a água. Uma delas era a Srª Maria Neto, outra a tia Idalina e o Sr. Zé Rito. Os meus avós tinham a sorte de ter um poço na horta de que lhes permitia ter algum desafogo.

Ao clarear do dia chegávamos ao cimo das Lameiras e entretanto eu já tinha saltado do burro para correr pela encosta acima e ver as vistas de toda a Devesa.

Os bons dias começavam ainda de noite pois aqui talvez pela força das encostas do vale a noite era escura. Mas a burra já sabia o caminho de cor e raramente tropeçava nos calhaus. Muitas vezes ouvia a coruja e ao amanhecer a passarada acordava e chilreava pelo caminho. A minha avó sabia identificar todos estes cantos e íamos dizendo.

Ao clarear do dia chegávamos ao cimo das Lameiras e entretanto eu já tinha saltado do burro para correr pela encosta acima e ver as vistas de toda a Devesa.

Entretanto o meu avô Zé António chamava-me acrescentando:

-Então rapariga ! Não vens ajudar a avó a regar? Deixa lá as subidas às árvores por ora, anda cá p’ra baixo ajudar. Vais para o fundo do suco ver quando a água lhe chega.

Gritei: - Já voooooooou! E…desci em escorrega! Uau!

Correr os sucos das batatas de ponta a ponta e…- Já chegou!

Aida olha o sol!? Coloca o chapéu! Anda cá? Não queres lanchar? Toma lá pão com queijo.

No fim da rega já o sol começava a torrar e a minha avó já tinha colocado seu chapéu de palha e, já muitas vezes dissera:

- Aida olha o sol!? Coloca o chapéu! Anda cá? Não queres lanchar? Toma lá pão com queijo.

Ao chamado do chapéu fazia ouvidos moucos mas ao pão com queijo não me dava por rogada e lá ia eu procurar a fardela da merenda.

Agora restava tapar o poço e virar a augueira para o ribeiro.

Oh Zé! Tens horas? Perguntava a minha avó e este colocava a mão em pala no boné, olhava o sol e respondia: - São prá aí onze.

Ou seja horas de colocar pés ao caminho. O sol já ia alto e continuava a queimar. O regresso até ás hortas das Devesas era feito a correr à frente da burra, a saltitar e colher as floritas que me apareciam na berma do carreiro. O meu avô esse iria mais tarde e como estava com o carro das burras faria o percurso da estrada, passando o Salgueiral.

Carro de Bois e Arado, miniaturas em madeira, oferecido pela Junta de Freguesia de Castelo Branco de Mogadouro. Presidência Aberta do Dr. Mário Soares em Bragança (15 a 26 de Fevereiro de 1987)

(www.fmsoares.pt)

Carro de Bois e Arado, miniaturas em madeira, oferecido pela Junta de Freguesia de Castelo Branco de Mogadouro (35 x 17 x 18 cm.) Presidência Aberta do Dr. Mário Soares em Bragança (15 a 26 de Fevereiro de 1987)

Curiosidade: Este carro de bois e arado foi feito pelo Sr. Ernesto Silva para a Junta de Freguesia oferecer ao Exmo. Sr. Presidente da República, Dr. Mário Soares

Aida Freitas Ferreira

1 comentário:

  1. Aida eu tambem fiz muitas vezes este mesmo caminho,indo um pouco mais longe para ir com os meus avos para a horta da Granja.Ali comi as melhores batatas guisadas com cabaçote,a minha avo Arminda tinha là uma panela de ferro e fazia o almoço na horta.como era muito longe passavamos là o dia.Nos faziamos o caminho todo à pé pois o meu Avo aproveitava para levar a burra carregada com as sacas de estrumo,pois para ali nao havia outro acesso,nem carro das bestas podia la ir.Mesmo assim eu nunca perdia a ocasiao de ir com eles Momentos que nao se apagarao da minha memoria,e que graças au teu texto hoje revivo,até o cheiro du monte florido chega a mim
    Obrigada Aida
    S I

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