Autor: Dr. Alcindo Costa
Também tive a sorte de ter nascido em Castelo Branco de Mogadouro, aí vivi ininterruptamente os meus primeiros dez anos e onde conservo e sinto bem vivas as minhas raízes.
E foi aí que a partir dos primeiros dias do mês de Outubro de 1935 comecei a frequentar a Escola Primária masculina que então funcionava num velho edifício, hoje praticamente em ruínas, situado a norte da nossa Igreja tendo em frente um “marco”, o único que nos dá água vinda directamente da nascente da soalheira, antes de cair no depósito existente ao lado do adro.
Era então nosso professor o Senhor Campos, residente em Meirinhos mas natural do Azinhoso e que todos dias, montado no seu cavalo vinha daquela freguesia para nos dar aula e por ele esperávamos quando, sentados nas escadas do campanário, o avistávamos a descer o caminho das Figueirinhas.
Desse tempo importará sublinhar o espírito de sacrifício, a dedicação e o sentido do dever daquele estimado professor, a quem devo a aprendizagem das primeiras letras e o belo exemplo de cumprimento das suas obrigações.
Em Outubro de 1938, o Professor Adelino Sequeira, natural de Castelo Branco onde seus pais viviam numa casa situada na Praça, ainda hoje bem de pé, até então professor em Campo de Víboras, no concelho de Vimioso, veio substituir aquele Senhor Professor Campos. E foi ensinado, instruído e também educado por este que terminei o ensino primário, fazendo exame de quarta classe numa escola em Mogadouro.
Também deste Professor guardo as melhores recordações, tanto pelo muito que com ele aprendi, como pelo modo paternal com que a todos nós, seus alunos, tratava. Poucos anos depois pediu transferência para o Porto, vendeu tudo quanto ele e seus pais tinham em Castelo Branco, para mais facilmente, nessa cidade, poder dar aos seus três filhos os estudos que eles e para eles desejava e veio a conseguir.
Tudo isto e muito mais haveria que contar acerca daqueles dois inesquecíveis professores e daqueles tempos vividos naquela histórica escola, onde no Inverno nem com braseira, sempre acesa, deixávamos de tiritar com o frio, tempos esses que, apesar de tudo, recordo com prazer, com saudade e com gratidão.
Do muito que poderia escrever sobre esse tempo vivido na minha aldeia com os meus companheiros e amigos, alguns deles infelizmente já falecidos, onde ainda estive há bem poucos dias, apetece-me relembrar que no ano lectivo de 1938/ 39, houve festa em que todos nós alunos, por indicação do Professor Adelino participámos, quando da inauguração de mais águas canalizadas e das calçadas.
E não vale a pena lembrar como eram antes as ruas de Castelo Branco, com as suas estrumeiras, as lamas e as rimas de lenha, debaixo das quais viviam doninhas e ratazanas e pelas quais em plena liberdade, vagueavam todos os animais domésticos, desde as galinhas aos porcos.
Nessa altura o nosso Professor fez uns versos apropriados a esse momento, alegre e solenemente cantados por nós, seus alunos, com letra e música que ainda não esqueci e que ainda às vezes canto, mas de que só já recordo a seguinte:
Castelo Branco já tem calçadas
Bendito seja o Estado Novo
Tem águas canalizadas
Já nos parece outro povo
Quando as lamas
Mal eterno
No Inverno,
Cobriam o povoado
Que atrasado,
Agora com as calçadas
Bem lavadas
Já nos parece
Outro povo.
Castelo Branco já tem caçadas
Bendito seja…
Para terminar estas minhas recordações, gostaria de lembrar, tanto pelo que na aldeia ouvia dizer aos mais velhos quando era jovem, como pelo que depois disso tenho lido, a Casa Grande, agora baptizada não sei porquê, como Solar dos Pimenteis, foi mandada construir em 1753 pelos Távoras e quando a sua construção estava praticamente concluída e prestes a ser mobilada e habitada, todos eles Távoras foram eliminados em 1759, graças a um tal Senhor Marquês de Pombal, com o consequente confisco de todos os seus bens por parte do Estado e obviamente da dita Casa Grande, sempre, desde então assim conhecida, bem como de todos os prédios rústicos de que em Castelo Branco eles Távoras eram proprietários, Casa essa que naturalmente, se o tal Marquês não tivesse agido como agiu, teria vindo a ser mais um Solar ou Paço dos Távoras, como então já era o de Mirandela, então também confiscado.
E é logo em seguida, passado pouco tempo, em condições ainda mal esclarecidas que um nobre Morais Pimentel, segundo se dizia, vindo dos lados de Macedo Cavaleiros, aparece proprietário da referida Casa Grande, a mobila e aí passa a viver e aí viveram e nasceram quase todos os seus bem conhecidos, famosos e ilustres descendentes, entre os quais as duas “fidalgas”, como eram por nós conhecidas, solteironas que ali viviam sozinhas na década de trinta e aí continuaram a viver até à sua morte, deixando indefinidamente aquela Casa Grande desabitada e praticamente abandonada.
Lisboa, 30 de Maio de 2010
Alcindo Costa
Sem comentários:
Enviar um comentário