Autor: Zulmira Geraldes
Numa manhã do mês de outubro minha mãe nos acordou, a mim, à minha irmã e ao meu irmão com um entusiasmo diferente. Era muito cedo, nossa casa estava quase vazia pois grande parte dos moveis e objetos ela vendera. Havia uma grande quantidade de malas cheias e empilhadas à porta. Era dia de viajarmos para o Brasil.
Logo começaram a chegar algumas pessoas. Os primeiros foram a tia Maria Augusta, irmã de minha mãe, acompanhada do marido, o tio Antonio Salgueiro, com os filhos atrás. Sua filha mais velha, a Olímpia, viajaria conosco.
Meu pai havia ido dois anos antes com a intenção de verificar se valeria a pena a mudança da família para outro país.
Naquela época Portugal era um país pobre, dominado pela ditadura de Salazar. Diziam os mais velhos que não havia perspectivas de bom futuro pois o país estava muito atrasado e as pessoas se sentiam oprimidas. Muita gente ia embora em busca de oportunidades e o Brasil era o preferido pois vivia uma situação oposta. Governado por Juscelino Kubitschek que tinha a intenção de tirar o atraso de sua história, dizia-se que o Brasil cresceria 50 anos em 5.
Foi nesse momento histórico que lá na minha pequena aldeia chegou um primo da minha mãe, solteiro e cheio de dinheiro. As jovens das famílias mais abastadas eram todas suas pretendentes. Mas ele era tão poderoso (pensava que era) que nenhuma delas lhe servia.
Chegou a bordo de um maravilhoso automóvel e com placa do Rio de Janeiro. Era um Cadillac (rabo de peixe) azul e branco. Nunca se tinha visto algo tão moderno naquela terra tão longínqua e pobre. Onde parava as pessoas se aproximavam para admirar tal maravilha e não podiam deixar de pensar: como deve ser bom o Brasil!!!
Com isso ele estimulou vários chefes de família a abandonarem a sua terra e tentar a vida no Brasil, além de prometer mandar a carta de chamada para todos que quisessem.
Um deles foi meu pai que nessa altura ainda eram jovem. Deveria andar lá pelos 35 anos e todos nós estávamos com menos de 10 anos de idade.
Começaram a chegar mais pessoas e em pouco tempo a nossa casa estava lotada. Era uma choradeira geral. Minha mãe se despedindo e os amigos e parentes nos abraçando. Para mim e meus irmãos era diversão. Estávamos felizes em viajar. Fomos a pé até Vilar do Rei onde ficava a estação do comboio, com uma pequena multidão nos acompanhando. Eram uns 3 ou 4 quilometros.. Embarcamos rumo à cidade de Porto onde já nos esperava a tia Izabel Fonseca, prima do meu pai, e que lá possuía uma pequena pensão.
Ela morava numa rua central, cheia de edifícios que eu achava absurdamente altos. (hoje penso que não deveriam ter mais que três ou quatro andares.)Tia Izabel tinha um filho único, o Acúrcio que era estudante, de uns 18 anos. Ele ocupava um lindo quarto que ficava no sótão e de onde se tinha uma boa vista da cidade.À noite eu ficava encantada olhando dali as luzes da cidade. Nunca tinha visto nada igual pois na minha pequena aldeia nem luz elétrica tínhamos. Estávamos acostumados à luz da candeia e do lampião e agora eu me via, de repente, admirando os luminosos da cidade. Tinha um que me encantava em especial: era uma máquina de costura, costurando, costurando sem parar.. Outra coisa que me encantou foi, num edifício, uma porta giratória que parecia que engolia as pessoas para dentro, ao mesmo tempo que também as jogava para fora. Achei aquela porta fantástica e eu e a minha irmã experimentamos várias vezes entrar nela e sair.
Minha mãe preparou para nós um guarda roupa cheio de novidades. Ainda me lembro de alguns modelitos de vestidos e de um par de sapatos de verniz na cor caramelo.
Passando por uma rua, paramos na frente de uma vitrine (montra) e ela nos comprou dois pares de sandálias: um para cada uma.
Essas sandálias eu não esqueço: a minha era cor de rosa e a da minha irmã, branca. Quando chegamos ao Brasil era mês de Dezembro e verão, portanto fazia muito calor. As sandálias eram perfeitas para usarmos pois eram de plásticos e portanto laváveis. Mas eu me recusava a usá-las porque todos olhavam e eu sentia vergonha de chamar tanto a atenção. Essa sandália era a famosa Melissa que somente anos mais tarde é que chegaria ao Brasil. Hoje acredito que esse calçado, por aqui, se tenha tornado tão popular e talvez seja uma raridade encontrar uma mulher que nunca tenha usado uma melissinha.
Como sempre, nós portugueses, levando novidades às terras que nos acolhem.......
Zulmira Geraldes
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