Autor: José Pimentel
A- “….Ó Sr. António---- d`aú. A sua filha já se quer casar.
Quem l`habemos de dar p´rá sustentar…..”
Pausa
B-“….Há-de ser o ………..que é capaze de a gobernar….”
Pausa
A-“…..É bô rapaze. É bô rapaze….”
Era mais ou menos desta forma que durante várias noites, antes do Entrudo, se torreava, fazendo os casamentos que iriam durar um ano.
Este jogo, se é assim que se pode chamar, era feito por rapazes solteiros, que tinham, ou se calhar pensavam que tinham, alguma influência na rapaziada.
A preparação começava muito cedo e o inicio era sempre num café, á volta de um Ponche quente, um cálice de Aniz ou até de uma Genebra para aqueles que tinham digestões mais difíceis e não gostavam de trabalhar de barriga cheia,
Havia também um instrumento essencial de comunicação. O embude. Quanto maior fosse melhor, pois aumentava o seu poder de alcance. E então aí apareciam eles. Todos velhos, uns mais amolgados que outros, uns ainda a cheirar ao néctar que alguns meses atrás tinham ajudado a envasilhar nos pipos e que agora descansava nas adegas á espera de ver a luz do dia. Mas também havia alguns já sujeitos ao teste da relha…
Como a relha foi ao fundo, o vinho já era…..
Para os mais jovens, o teste da relha consistia em meter um relha no vinho e então se a relha fosse ao fundo, bebia-se mas se não fosse ao fundo, o que era improvável, bebia-se também.
Havia ainda outros embudes engraçados, pintados de azul, verde ou vermelho e com algumas letras, muito mal desenhadas, para identificar o proprietário.
Nesta altura já os estômagos estavam compostos e o corpo já bem quente, se calhar até quente demais. Mas seria desta forma que as palavras se libertavam com mais facilidade…
Então formavam-se 2 grupos. Uns iam para um caminho que vai da escola primária para a Faceira. Os outros ficavam na esquina da Casa Grande, próximo da curva do plátano e que se avista quase a aldeia toda.
Pronto, o palco estava montado, podia começar o espectáculo. E lá começava e ia prolongar-se por algumas horas.
Nesta noite os cafés fechavam sempre mais tarde, pois sabiam que a rapaziada ficava com a garganta seca e era preciso molhá-la.
No dia seguinte era engraçado passear pelas ruas da aldeia. O semblante carregado de certos Pais contestando o par que lhe havia calhado à filha, fazia um contraste perfeito com o da moçoila já meia enfarinhada pelo marujo que lhe calhou na rifa, como que fazendo pairar no ar o principio de uma paixonite, quem sabe talvez aguda.
Não sei se destes “casamentos” algum terá passado para o papel. É bem provável que sim, pois o leque de escolhas não era assim tão grande.
O culminar destes dias de torrear chegava. Era a noite propriamente dita para a cerimónia nupcial, a noite do Entrudo. A rapaziada andava pelas ruas da aldeia, sempre de Embudes em punho, e á porta da noiva, era celebrado o casamento. Então o noivo entrava em casa da noiva e seria recebido com vinho e rosquilhas, selando desta forma um casamento, quem sabe muitos destes não seriam para toda a vida.
Estas cerimónias, iam-se repetindo de casa em casa onde houvesse moças namoradeiras e duravam quase toda a noite
Já no dia de Terça Feira tudo seria, ainda mais, afogado com as “cascas” cozidas, sempre muito bem acompanhadas pela orelha, o focinho do porco, o bulho, as linguiças e o meio escondido chouriço preto. Não faltava o bom pão, o vinho e o bom azeite.
Este dia contribuía imenso para os colesteróis elevados, bem com a dona tensão arterial. E digo isto porque se apertava mais um pouco, porque no dia seguinte, Quarta-Feira de Cinzas não se come carne.
Bom e depois disto tudo, tinha-se de arranjar maneira para desgastar este repasto. Uns iam para o largo das Eiras a jogar o fito e outros iam com as burras buscar uma poucas de nabiças para dar ás vacas que já “berravam” pelas ditas “berças”…
in illo tempore
José Pimentel.
27/03/2008
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