Revisitando Castelo Branco

26/03/2011

Se o cuco não vier…

Autor: Luis Pardal

cucos 5

Na aldeia os meses de março e abril são os mais ocupados e de maiores afazeres na lavoura e cuidados dos campos. A vida renasce nas terras prenhas de sementes, plantadas com a esperança de dias melhores e de fartura. Entre março e abril, finalmente, os dias se igualam com as noites e a vida retoma um novo ritmo. Durante o inverno os dias são curtos, as noites longas e frias, tudo está em pausa e flui devagar. A natureza, diferente dos homens, sabe esperar enquanto se prepara para um novo ciclo.

Com o despertar da primavera, os campos chamam com urgência as pessoas da aldeia para as lidas e afazeres. As terras aos poucos vão ficando floridas de amarelo como que para dizer que a primavera esta a chegar e que é preciso impor a nova marca da estação. A forma de brotar da vida é caprichosa, apesar da pujança dos campos a florescer, em algumas manhãs, ainda é possível ver um fino manto de geada deixando claro para as plantas e a todos nós, de que o inverno teima em partir. E ele lá tem suas razões... Ficou por aqui instalado por quatro longos meses, e não se quer ir embora! Mas, já é tempo bastante, logo vai partir, quer ele queira ou não. Digo para mim que ele se vá, mas que volte ano que vem, afinal, ele também faz falta. Se não for por mais nada, que volte para curtir as alheiras.

Aqui no Brasil começa o outono e eu fico a lembrar-me da primavera... Que maluquice esta coisa da inversão de estações entre os hemisférios terrestres, norte e sul. No Brasil outono e em Portugal primavera. Curioso que por vezes ainda dou comigo a pensar que o meu relógio biológico se confunde e sente as estações de maneira equivocada. Talvez porque aqui, deste lado de cá, apesar de estarmos no outono, a natureza floresce com exuberante beleza e cobre as árvores de flores de tons amarelos, roxo e rosa e de tantas outras cores. Apesar das diferenças entre os hemisférios, há uma sincronia indiferente aos solstícios, que faz as plantas se unirem na celebração da vida.

Hoje me lembrei do cuco e do cantar característico dele ao recordar o ditado, “Se o cuco não vier, entre Março e Abril, ou o cuco está morto, ou o fim do mundo para vir!” Não foi o fim do mundo que me fez lembrar dele, embora nos últimos tempos, tudo nos leve a crer que está para acabar. Não creio no fim dos tempos. Creio sim no ciclo da vida e na sucessão histórica de fatos que fazem a evolução da humanidade ter altos e baixos, progressos e retrocessos. Aos tempos difíceis sucedem outros mais promissores, afinal aprendemos na diversidade as maneiras de vencer as dificuldades.

Lembrei-me por curiosidade. Será que o cuco ainda canta nos campos? E o relógio dele, ainda está certo na chegada entre março e abril, ou esta coisa da globalização também atrapalhou a vinda deste turista anual? Digam lá, como anda a chegada do cuco? Ele foi pontual este ano?

Na minha infância havia cucos por todos os lados. Entre os meses de março a junho estavam em todos os lugares e caminhos da aldeia. Eu ainda os escuto a cantar ao longe. Meus ouvidos guardam esta sinfonia com saudade. Um canto compassado e certeiro que embalava os passos e nos acompanhava pelos caminhos até chegarmos nas hortas, e depois por lá ficava o dia inteiro como um compasso para os trabalhos, até voltarmos para casa ao fim do dia, quando a tarde começava a esfriar. Por esta altura, era tempo de plantar as batatas e de preparar as hortas para o plantio as cebolas, tomates, pimentos, ervilhas, feijões e outros vegetais. Uma sucessão de afazeres que garantiria a despensa cheia para o inverno do ano seguinte.

Na natureza o cuco era o precursor e o arauto do renascimento da vida, e por esta função lhe são perdoados os pecados de usurpador de ninhos alheios, afinal, na natureza tudo tem um porque, as coisas não são por acaso. Ele nos avisava que a natureza renasceu e que era preciso renascer também, dar vida nova ao velho. Fazer, inventar, ter esperança por dias melhores.

Nestes dias de desânimo, e de momentos difíceis da economia nacional, peço a Deus que os cucos cantem muito alto em todas as aldeias e cidades de Portugal. Para lembrarem a todos que, apesar de dias difíceis, nosso povo sempre se orgulhou de renascer das adversidades e de as vencer a todas. Somos uma nação valente e imortal.

Lembrem de ter esperança ao ouvir cantar o cuco. E se ele não vier, então é mesmo porque o fim do mundo está pra vir e, portanto, é hora de fazer as malas e navegar para outra galáxia.

Mas navegar é preciso viver não é preciso, não é mesmo?

Digam-me do cuco...

Ele chegou?

 

Luis Pardal

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