Autor: António José Salgado Rodrigues
Foi ha muitos, muitos anos, era eu uma criança, que passei a frequentar a Escola em Castelo Branco e em que passou a ser Professor meu pai - Francisco Rodrigues - e se a memória não me atraiçoa, em 1946, uma vez que em 1948 fiz exame de 4ª classe em Mogadouro, na antiga escola de Conde Ferreira. Ficava essa escola num edifício a lado norte da Igreja, composto de um rés do chão e o primeiro piso amplo, que para a altura estava em regular estado de conservação e ao que vejo está a ser recuperado depois de alguns anos em estado degradado.No rés do chão exercia a profissão de sapateiro o senhor Guilherme e ao que me disse o meu "praça" Guilhermino Parreira aqui assentou arraiais e constituiu família.
Frequentávamos a escola uns 40 alunos de todas as classes. Não tínhamos aquecimento nem instalações sanitárias, nem greves, nem queixinhas se os filhos fossem castigados fisicamente por mau comportamento ou cabulice, eram os próprios pais que diziam ao Sr. Professor que lhe "arrumasse" quando as merecessem. Como os tempos mudaram !!! E que castigos nós sofríamos às vezes quase desumanos, como era o meu caso, que por ser filho do Sr. Professor levava sempre a dobrar, como se fosse grande pecado o eu ser filho! ... Mesmo quando havia pequenas desavenças se estava metido nelas, mesmo que os meus companheiros, em uníssono, diziam que eu estava inocente, para exemplo, eu tinha que as levar,o que foi criado em mim uma encoberta revolta. De entre os vários castigos sobressaia o castigo mais severo que era protagonista "a menina dos 5 olhos", também conhecida por "Santa Luzia", que dava "vista aos cegos e fala aos mudos" ... e que fala, principalmente nos dias com as mãos frias as palmatoadas eram mais dolorosas. (Para quem não conheceu tal dama veja o seu feitio no fim deste artigo).
Camaradas do meu tempo, ainda vos lembrais quando íamos para a frente de todas as carteiras e ali, lado a lado, respondíamos á tabuada e quando um não sabia passava ao da frente e assim sucessivamente até que o que respondesse acertado, iria dar uma palmatoada aos que tinham errado e se esse castigo não correspondia à forma como o Sr. Professor entendia, era este que lhe ensinava em como se davam as palmatoadas, pois nós não gostávamos de castigar com força os colegas. E tínhamos que ter as mãos para a frente para não contarmos pelos dedos, e se um deles era eu, "aprendia" a dobrar. Como eu sofria ...nunca pude esquecer de uma vez em que não sabia e sofri o descarregar de um azedume quase incruel, que levei tantas e de várias maneiras que até os bolsos das calças foram rasgados. Tínhamos que aprender à força. Mas deixemos coisas tristes, não tendes o direito de me aturar com tais recordações…
As aulas começavam às 9 horas até ao meio dia,tendo um intervalo a meio da manhã para irmos satisfazer as nossas necessidades fisiológicas indo logo de fugida para a Rua do Canilhão. Às 13 horas regressávamos para mais uma aula até às 16 horas e a partir das férias da Páscoa os da 4ª. Classe íamos merendar e regressávamos para continuar com os estudos mais aprofundados até às 18 horas para podermos fazer boa figura no exame. Havia gosto do Sr. Professor em que os seus alunos fossem sempre dos melhores e não se escusava a sacrifícios para o conseguir, sem direito a horas extraordinárias.Como os tempos mudaram. E ao que sei,em mais de 40 anos de professor,mesmo os que preparava para a admissão ao liceu, nunca lhe reprovaram qualquer aluno.
Ainda cheguei a frequentar a escola nova e lembro que as cantarias das paredes eram transportadas das terras de Bruçó em carros de bois característicos do Minho ou Alto Douro.
Vamos agora ver se consigo enumerar os antigos companheiros, sei que a memória me atraiçoa principalmente dos mais novos com quem tinha menos convivência e a todos peço desculpa mas não é por menos estima assim como por aqueles que o Senhor já chamou a si, e já foram bem de mais. Começo pelo António Amaral Afonso(filho mais velho do senhor Raul Afonso) que faleceu bem cedo em acidente de aviação, o Adriano Moreira, o António Canhoto(mau), Bernardino Luzeiro, Bernardino Mendes, Belmiro Cordeiro, Ernesto Silva, Adriano Rito, Francisco Carreiro, Armando Angueira, António Maria Freitas, Herminio Angueira, Dos que julgo ainda estarem vivos,começo pelo meu companheiro de carteira, o Padre Avelino José Neto, pároco em Lagoaça e residente em Mogadouro onde quase todos os dias o encontro, o llídio Parreira, irmão do meu afilhado Arlindo, éramos como irmãos, o Padre Orlando Martins, os irmãos Armando, Isaías e Zulmiro Malandras (manachos), Luis Carrino, Joaquim Ferreira (pedreiro como o pai),o Elísio Ferreira,os irmãos Armando e Mário Pires e seu cunhado Alberto Pires, Virgilio Neto, Jorge ..., Dário Pombo (por onde andam esses fados?), Norberto Pereira, Abel-bilhó- Luis Cordeiro, Norberto Pires, o Júlio,Alcindo Moreira,lé António Rito, Herminio Rentes,Afonso Freitas, António Costa, que foi P. da Câmara,António Caetano, Artur Pires(veneno),António Cosme, Nuno Almeida, llídlo lava, Agripino Fernandes,Toneca Sanches,o Virgilio Carreiro, (recordo quando assentou praça na escola levou a cédula para se matricular e o Sr. Professor ao ler, reparou que aquela cédula, embora fosse dele, constava que o mesmo já tinha falecido, ..Ó Vergilio,então tu já morreste e ainda aqui andas? o Vergilio Caló o carismático Toninho MÓ, que julgo nunca ter aprendido a ler e escrever, e que após uma aula de matemática com unidades, dezenas e centenas, o Sr. Professor mandou o Toninho ir ao quadro e escrever um M e um Ó, o que ele lá conseguiu desenhar e quando lhe foi ordenado para ele ler o que tinha escrito, o mesmo, muito senhor ao seu nariz, diz em voz alta e muito senhor do seu nariz 1/6 unidades, Sr. Professor", escusado será dizer que foi uma gargalhada geral.
Que me desculpem os que deixo de inumerar pois ainda há alguns que tenho mais ou menos presente a sua fisionomia e quando os encontro até lhes falo de não é por menos estima, mas a memória atraiçoa, quero ainda invocar o Albino Tavares.
Ainda frequentei a Escola nova, já com melhores condições, instalações sanitárias, local para aquecimento, novos mapas onde podíamos identificar todo o Portugal Continental, Insular e Ultramarino, pois tínhamos que saber na ponta da língua e identificar nos mapas todos os rios, lagos, serras e caminhos de ferro, como os tempos passam, pois agora muitos professores os não sabem e ainda se queixam!..
Fora das horas de aula, nos dias pequenos a não ser a não ser aos fins de semana, quase não brincávamos, pois tínhamos de estudar e ao anoitecer, ao toque das Trindades, sim, porque naquele tempo havia o bom hábito do toque das Avé Marias, logo de manhã à hora de missa e ao anoitecer e que servia para uma recolha espiritoal e respectiva oração, e ai daquele que fosse encontrado na rua sem justificação ... Mas já me esquecia de vos narrar que aos Sábados o tempo de escola era reservado à limpeza da mesma e ao ensino da doutrina. Pela minha parte, mais à tardinha e quando os dias eram maiores, mais quentes, brincava com as vizinhas, que rapazes eram poucos, mais as meninas filhas do senhor Nascimento (70), a Ana e a Celeste, do senhor António Frontoura (Cacildo), a Maria e a Matilde ( a Fernanda veio mais tardega e que mais tarde, já não do meu tempo, o amigo Isaías veio a desposar), os filhos da senhora Trindade Canhoto - António (manco), que era um cabreiro exemplar!!! (e a quem eu já Tesoureiro da Câmara, ensinei a desenhar o nome (António Fins), para poder assinar o recibo do vencimento de empregado das sanitas e sua irmã cujo nome não me ocorre, alguns filhos do senhor Abilio (terrible) ,no curral junto às nossas casas, onde se vinha juntar a pândega Judite Cordeiro - tia do Isaías ...:.que na corrida não havia que lhe levasse a palma, mesmo rapazes. Eu não podia brincar ao que mais gostava, jogar a bola com os meus companheiros e de vez em quando não resistia e se chegasse a casa com falta de "brochas", nas solas das botas ... pancada, mas estes e outros assuntos da época ficam para uma segunda crónica.
Como eu gostava de saber quais os colegas que nos meses de verão e na ausência de meu pai em serviço de exames, à hora marcada depois do almoço, íamos em correria cortinha abaixo, o Dr. Artur,para encurtar caminho.caras para a ribeira, ao I/CANILHÃO",espraiarmo-nos naquelas águas serenas e que muitas das vezes estavam pequenos feixes de linho a demolhar e davam à água um colorido acastanhado, mas que nós, marotos, retirávamos os feixes para fora, destapávamos um pouco a charca para que saísse alguma água e passado pouco tempo aí estávamos nós a bracejar e nadar, o que eu nunca aprendi, tenho a certeza que um tinha que ser o Ilidio Parreira, amigo inseparável, e passado o banho nem nos dávamos ao cuidado de voltar a deixar a nossa praia como a tínhamos encontrado, pobres das donas. Também não recordo amigos que comigo íamos a ajudar à missa ao senhor Padre Francisco Neto, a troco de uma "croa", 50 centavos na altura.
Já vai longa esta narrativa, muito havia ainda para contar, mas prometo que já está em meia forja outros assuntos da minha juventude em terras albicastrenses, contos extra escolares, mas aquando em férias que passava nessa terra.
Para terminar, mais uma vez as minhas desculpas aos colegas de escola que deixei de citar (lembro-me agora do Gualdino Rentes, Luiz Varizo e Jorge pastor, e as minhas desculpas pelo tempo que vos tomei para lerem esta infadonha literatura, desculpai a falta de eloquência destas mal alinhavadas palavras, apenas quis sintetizar, ainda que superficialmente, a minha passagem pelos bancos da escola de Castelo Branco.
Agora, já com o peso da idade, os cabelos branqueando com as saudades da mocidade perdida despeço-me com um até breve e afectuoso abraço para todos, do António José Salgado Rodrigues, para os amigos, Antoninho.
Tal como vos prometi, é esta a forma pitoresca da "menina dos 5 olhos ou Santa luzia" , era de madeira escura, julgo que de cerejeira, bem gostava de a ter no meu museu particular porque ainda me dizes alguma coisa, que será feito de ti?" Eram altinhas e estaladinhas
Concordo com uma réguada ou duas quando merecidas. Penso que deveria voltar às nossas escolas com muita moderação e sentido de justiça. Evitava muita tragédia e sofrimentos maiores. Não é agradável, é verdade, mas não é o fim do mundo.
ResponderEliminarA minha professora até nisso era mestra. Tinha uma régua pequena e quando a situação o justificava usava-a para dar a tal palmada que praticamente não doia mas tinha um efeito dissuasor. Era uma senhora muito sensível e percebia-se que tinha a preocupação de não nos magoar. E sabia dar mimo. Em quatro anos deu-nos quilos de mimo e uma dúzias de réguadas maternais. Agradeço-lhe umas e outras.
Na sala de baixo era palmatória de caixão à cova. Ouvia-se o estalar ensurdecedor da régua que parecia não ter descanso. Realidades tão diferentes…